A ESCOLA SAIU DA IDADE MÉDIA, MAS...

“Se queremos uma escola libertadora, é absolutamente decisivo que os alunos assumam seu papel de sujeitos, que sejam protagonistas do seu processo de educação, superando a longa tradição da maquinaria escolar que tenta, de todas as maneiras, ainda que com a melhor de todas as intenções, reduzirem-nos a meros ‘receptadores.”

VASCONCELOS, 2002.

Quando adolescente, repetidas vezes, ouvi a célebre frase: “Criança só tem vez na hora de dormir”. Os adultos pretendiam deixar claro que os mais jovens jamais deveriam ter vez ou voz em assuntos importantes. Talvez por ter sido privado tantas vezes, por diversos meios e por tanto tempo dela, eu amo e defendo tanto a liberdade. Talvez, também por isso, não consigo entender por quê a escola brasileira considera muitas das tradições e dogmas herdados da escolástica medieval a “árvore da ciência do bem e do mal”: não podem ser mudados, tocados ou, sequer, questionados.Também, por esse mesmo motivo, fico um tanto incrédulo quando um aluno da 4ª série me pergunta: “professor, eu posso escrever de caneta vermelha?” Ao passo que outro, retruca: “por que não posso usar meu boné?”

Eu, tão admirado quanto ou mais que o aluno, respondo: “Não sei, amigo. Entendo que a escola deveria está mais preocupada com o que você tem dentro do que com o que tem sobre a cabeça. Afinal de contas, qual é o grande perigo que representa um aluno de boné numa sala de aula?” E mais: qual é o estudo científico ou a experiência pedagógica que comprova que o uso de boné em sala de aula tem alguma interferência no aprendizado ou no comportamento do aluno?

Não me angustio porque a escola não adota como regra as ideias que defendo – eu posso está tão certo quanto os que, na Idade Média, defendiam o geocentrismo teocêntrico –; meu questionamento, no entanto, é: por quê a escola, tão resignadamente, resiste, chegando, às vezes, a abominar a ideia de pelo menos discutir novas propostas, outros caminhos, outras alternativas?

Por que, por exemplo, manter Educação Religiosa no currículo da escola pública se o país é laico? Por que não usar esse espaço para ensinar Filosofia, ou ampliar à carga horária de Língua Estrangeira Moderna, que é outra quimera? O que há de pedagógico em deixar o aluno um horário inteiro sem aula porque este chegara 16 minutos depois do toque da campa? Ora, quem não pode chegar atrasado é o professor, que é o empregado! O aluno está pagando. Se ele paga 50 minutos, mas quer assistir apenas 20 – desde que os responsáveis sejam informados –, o que a escola tem a ver com isso? Qualquer que seja a medida disciplinar adotada pela escola, salvo para os casos de crime devidamente tipificado em lei, deve ter caráter pedagógico, não punitivo. O papel da escola é educar. Para punir, fiscalizar, controlar, investigar, etc., existem as instituições competentes: a Família, a Igreja os conselhos, o Ministério Público, as Polícias, as controladorias, as corregedorias e os tribunais, entre outras.

Não entendo, também, por quê alunos têm que ser impedidos de fazer provas bimestrais por cometerem o grande dolo de não se apresentarem no portão da escola vestidos de garoto-propaganda do governo – com o uniforme estadual padrão –, cuja obrigatoriedade de uso nunca foi votada ou, sequer, discutida na escola. Aliás, por falar em discussão, qual é mesma a necessidade de obrigatoriedade do uso de uniforme num ambiente (como a escola) onde o que mais se prega é a disformidade, a autonomia, a divergência, o estilo próprio, o despojamento, etc.? Ou melhor, será que, algum dia, num momento de estalo, a escola já se perguntou de onde vem essa cultura do uniforme? Que valores morais, políticos e ideológicos estão aí impingidos? Será que não nos diz nada o fato do aluno, se necessário, atravessar, espontaneamente, os sete

mares para conseguir a camisa do time de futebol dele – que pode ser lá do Rio de Janeiro ou de Madri –, mas precisar ser ameaçado ou mesmo punido para usar o uniforme de sua escola?

Se não se tornasse enfadonho pra mim e, principalmente, para o leitor, eu poderia citar aqui pelo menos umas duas dezenas de situações tão bizarras que acontecem em nossas escolas envolvendo o controle, a censura e a alienação do aluno – e dos educadores também – que a indelével impressão que tenho é a de que apesar da escola ter saído da Idade Média, a Idade Média ainda não saiu da escola.

Nesse particular, seria de bom alvitre ponderar sobre o que versa o Doutor Celso de Vasconcellos: “A autêntica educação só se dar num ambiente de liberdade; esta é uma exigência básica para o desenvolvimento humano. A autonomia, uma das grandes metas educativas, não se constrói sem espaço concreto de opção. Por isso, é preciso um clima adequado na instituição para que as pessoas se coloquem, tenham coragem de dizer: “Não sei, não concordo, não está claro pra mim; por quê? Para que?”e, a partir disto, possam decidir. Garantir condições para o pensamento divergente, espaço de liberdade!” (Ibidem).