O VALOR DE UMA CRIANÇA: R$ 17,50
Manhã de domingo ensolarado. Saíamos para a feira, Auri e eu, com fome de pastel e fruta fresca, quando ouvimos um choro de um mennino, sentado a porta de uma loja fechada, que fica ao lado do nosso prédio. Era um menino de rua, sujo, com cara de faminto, roupa rasgada, tênis furado, aparentava ter dez, no máximo onze, e ele chorava e gritava:
" Por favor, alguém me ajude, pelamordedeus!"
Para quem mora no centro da cidade de São Paulo, a visão de mendigos, pedintes, e pessoas, dos mais velhos às crianças, em estado miserável, é lugar comum. Daí, o ignorar é a única arma que temos, afinal, se abrirmos o bolso para todo pedinte que virmos, acabaremos, nós mesmos, nas ruas Tabatingueras e Carmos da vida, como aquele menino que chorava.
Porém, aquele menino chorava de um jeito diferente. Não eram lágrimas que alimentam pena, nem lágrimas ensaiadas de pedinte de profissão, o menino chorava de dor de alguma coisa, não física; talvez, uma dor de medo real, de algo ruim que estaria prestes a acontecer.
" Oh Meu Deus, me ajude! Por favor! Eu preciso voltar para casa"
Queríamos seguir adiante, deixar aquela cena ser levada pelo vento das memórias esquecidas, que não importam mais não; contudo, o choro do menino não nos deixava praticar a arte da ignorância e fomos ter com ele.
Não precisava de comida, nem de vale transporte, nem estava perdido, nem queria comprar cola ( a coca); ele dizia que havia perdido R$ 17,50 que a sua mãe pedira que ele guardar; sem aquele dinheiro, segundo o menino, a mãe lhe bateria, e não lhe deixaria ficar em casa.
" Moço, preciso de R$17,50. Sem esse dinheiro, ela vai me bater, mais muito, muito mesmo"
Eu tinha a quantia no bolso, dinheiro da nossa feira, e do pastel; poderia dar ao menino, mas confesso, que hesitei ao máximo que eu pude; tentando estudar no menino, algum sinal de mendiguisse, mas se aquela estória tão surreal e cruel não fosse real, eu não saberia dizer mais o que era.
Diante daquele dilema, percebi que a questão maior já não era mais o menino que chorava e pedia, mas quem assistia; a minha crença em outro ser humano, mesmo que menino, a minha fé na verdade que eu sentia, mesmo que vindo de um moleque de rua. O dinheiro era apenas dinheiro, mas o que estava em jogo era a minha crença em não contribuir para a indústria da esmola, afinal, por trás de uma criança com a mão estendida, há sempre um adulto explorador. Mas, novamente, o que estava ocorrendo ali, era uma experiência de profunda compaixão, que estava se esvaindo por um racíocinio tipíco de quem vive na cidade grande e perdeu a fé nas pessoas, no dar a mão, no ajudar quando se precisa, no "serviço esperando o servidor".
Sim, eu dei o dinheiro. Deixando a lógica de lado, e me abraçando com a doação. O moleque olhou-me, sem acreditar no que ocorria; Auri sorria, esperando que fosse essa a minha decisão. Durante um momento, o moleque não sabia o que fazia, até que levantou e saiu gritando pelas ruas:
"Deus me ajudou, Deus me ajudou".
Se foi Deus ou não, isso fica para as nossas questões religiosas; porém, dentro do meu coração, eu sabia que, talvez eu tivesse dado ao moleque, algo a mais do que dinheiro, talvez, ele tenha aprendido alguma coisa que o faça se erguer das ruas do abuso e do medo, e se torne um homem trabalhador e honesto, um homem que um dia vai encontrar um menino chorando na rua e não terá dúvidas se ao ajudar esse moleque não está, na verdade, o prejudicando.