No parque

Falava, falava... eu o ouvia, porém me encantava com o casal de pica-pau em uma árvore do lado direito do banco. Ele nem percebeu, absorto em suas narrações. Eu admirava a grama tão verde, com o começo das águas e achava bonita a cena das duas moças trocando sutis carícias, deitadas lado a lado. A cachorrinha bem quieta entre as duas amantes. Eu imaginava sua narrativa: nadadas as 6 hs da matina, pedaladas próximas a residência presidencial e quando eu falava do que gostava, ele já dizia: podemos fazer isso juntos.

Eu o olhava, tentando encontrar algo que me atraísse, mas o que eu encontrava era o pavor caso ele se aproximasse. Por dentro do nariz dele sangrava, um vermelho claro. Eu me perguntava: terei eu que beijar essa boca e me deixar ser abraçada? Só se fosse por um ato exagerado de educação. Mas não dá pra beijar por “finesse”. O que eu iria falar, como?

Vamos sair? Vamos, a educação ainda me comandava. O que eu via? Um cara hiper solitário, que reclamava a idade, o desgaste entediante do trabalho, o descrédito familiar quanto aos relacionamentos, a agenda lotada de cursos e afazeres para preencher seus vazios, o cuidado de um pai com o filho “aborrecente”, os olhos cheios de esperanças...

E quem eu era? Alguém que se dava a chance de conhecer alguém “interessado” ou ao menos interessante. O livro, a flor – pressas demasiadas, desconfortantes. Daqui uma hora tá bom? Tá, eu respondi, e minha mente vagava desesperada. Abri o portão, entrei. A porta estava aberta, que bom, alguém pra conversar. Ela me perguntou: você quer ir? Como alguém que prende o ar sob a água até não agüentar mais, subo à tona e r – e – s – p – i – r – o.

Não, não quero ir.

E sinto-me livre outra vez.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 08/11/2010
Reeditado em 08/11/2010
Código do texto: T2603909