Inocência
Carnaval. Já tive tantos carnavais. Lembro-me de uma cena, sem época ou o ano. Estava ainda nova, corpo esguio, em plena Olinda. Avistei um personagem de carnavais anteriores, o abordei e no ímpeto da certeza quase irritante que depois de mim, ele não conseguiria enxergar mais ninguém.E assim, foi. Foram tantos anos que vivi disso. Era eu fazendo cena, em plena festa, em uma chuva de verão, vivendo de músicas e descompromissos. Arrebarei alguns corações – inundei almas, fiz bonito. Era dona do meu nariz, certeira, sedutora, lembrança eterna. Personagem das histórias de carnaval de vários que me conheceram esta época, época faceira.
Lembro-me do de olhos azuis, das noites longas e da conversa após o ato. Lembro-me do tímido, que eu enlouquecia e o magoava. Lembro-me do de lua, das tardes de papo solto e do drink verde. Alimentei minha alma com a doçura deles, quase homens, jovens e inocentes. Por fim, sei que os magoei pela minha imprudente juventude, dona da verdade, do corpo, da embriaguez juvenil que me cobria de mistérios e alegria. Era a carioca festeira em plena Recife, eram noites de riso frouxo e simplicidade. Eram blocos de carnaval, era a pipoca, era pular junto com amigos, era a vodka com suco na garrafa.
Eram os rostos que eu viajava para esquecer, eram as preocupações medianas da época de provas, era a bala vermelha, era o quarto compartilhado, era o pão seco na rua, era a coragem de cortar o cabelo. Era a essência da juventude, era o ato da felicidade plena, era leve, era doce, era infantil, cresci sem mais esta leveza. E há anos nem me lembrava mais dos rostos e das tardes, a busca da essência se perde em razão de necessidades adultas, nesta época nem precisava fazer nada, a vida se dava de graça. E eu era imatura suficiente para entender, queria reviver esta época com meus 30 anos, sorte dos meninos, que ainda não compreendia a força da estrela, do poder e do cheiro. Mas as lembranças deles me fazem um livro nunca escrito, amores de carnaval, lembranças de vida. Época de inocências.