QUANDO A INSISTÊNCIA LEVA À DESCONFIANÇA – II

Como assombração não aparece só uma vez (continuando a falar sobre insistências e desconfianças), eu cheguei a Natal, domingo passado e, por um imprevisto, no hotel em que eu iria ficar não constava o meu nome na lista de hóspedes para o evento.

Como era uma linda tarde primaveril, eu aproveitei que a coordenadora da programação estava tentando resolver o problema (mais sete pessoas estavam na mesma situação) e fui olhar, da frente do hotel, o mar. Paisagem linda e “suavizante”, “desestressa” qualquer ser, a menos que o celular toque, é claro.

-Alô! – disse eu sem olhar para o visor que identificava a chamada.

-Oi, Raimundo, sou eu, sua esposa.

-... Oi, Dora. Cheguei bem. Está havendo um problema na lista de hóspedes, mas estão resolvendo. – emendei, já para encurtar conversa.

-Graças a Deus! Mas, não estou ligando por isso. Sabe a “tal” da Dora? Ligou de novo. Por duas vezes. Está querendo falar com você.

-Sim? E o que você disse? – nessa altura do campeonato, a paisagem que eu via já estava cinzenta, o mar já se apresentava com uma cor diferente do azul lindo que eu tinha visto há poucos instantes; enfim, aquele arrepiamento voltou pelo meu corpo inteiro.

-Eu disse que você estava em Natal. E que não tinha como entrar em contato com você (nesse momento a voz da minha esposa mudou de tom – subiu para um si maior), mas ela insistiu tanto, mais tanto, continuou ela, que eu lhe dei o número do seu celular.

-Está bem. Deixe-a ligar que eu acerto aqui, falei num tom de ré menor, bem baixinho.

Desliguei o telefone, no mesmo instante em que ele anunciava uma nova chamada. Como sempre faço, atendi sem olhar o visor. Explico: até colocar os “olhos”, a ligação já se perdeu.

-Alô?

-Sr. Raimundo? É Dora. Dos empreendimentos “Vita”. Liguei para a sua esposa e ela me deu o número do seu celular. Estou ligando, portanto, para combinar a sua visita ao nosso estande de vendas. Pode ser para hoje à noite? Que tal às 18h00min?

Uma coisa eu devo confessar: a insistência do corretor é algo espantoso. Fala sem parar, não lhe dá chance de retrucar, facilita qualquer negócio e, no final, consegue lhe levar para o local onde a armadilha está preparada.

Como neste momento estavam me chamando, eu apenas falei que agradecia a ligação, mas logo mais eu não poderia ir. Se fosse possível, na segunda à noite, até que eu teria prazer em ir dar uma “olhada”, sem compromisso.

-Está “fechado”, “seu” Raimundo (esse “fechado” me soou como um compromisso matrimonial. Como se fosse um livro de cartório que eu tinha acabado de assinar). Eu lhe espero amanhã à noite, às 19h00min (eu adoro quando as pessoas decidem local, hora e translado por mim – arre!).

Resolvido o problema com a hospedagem, eu me instalei. Depois de jantar, desfrutei meia hora de prosa com alguns professores e subi para dormir. O dia seguinte seria estafante (palestras, minicursos, oficinas – um vai e vem de subir e descer escadas, pegar elevadores; enfim, um típico dia normal de estudos).

A segunda-feira amanheceu linda. Os compromissos foram acontecendo na medida em que o dia foi transcorrendo. Às 18h00min, por incrível que pareça, blecaute no hotel. O gerador de energia foi acionado, porém não aguentava o volume da carga. Disparava e tudo voltava à mais absoluta escuridão. No auditório, 300 pessoas em meio às luzinhas de suas telas de celulares e ao calor que crescia na mesma proporção em que o público se mexia.

De repente, o meu celular toca. Quem era? Claro! Dora!

-Seu Raimundo, boa noite. Apenas para confirmar o nosso compromisso de logo mais. Já estou esperando pelo senhor.

Acredito que toda paciência tem limite e, ainda mais, ela estando no escuro, no calor e sem poder se mexer para não pisar ninguém, aí é que ela fica no mínimo. Mas, mesmo assim, contrariando todas as minhas “arrancadas”, eu fui gentil, educado e cavalheiro:

-Boa noite, senhorita Dora. Daqui a pouco, como acertado, estarei no estande do empreendimento. Será um prazer conhecê-la e ouvi-la falar sobre o imóvel que a senhora está tentando me fazer adquirir.

Como por milagre a luz voltou. Saí dali, fui ao estacionamento do hotel, entrei no carro e saí em direção ao estande dos Empreendimentos, na Cidade Satélite.

Chegando lá, admirei-me com a suntuosidade do lugar. A primeira coisa que olhei foi para mim. Dei uma geral – como se diz –, para ver se o que eu estava vestindo estava de acordo com o que aquelas pessoas – todas elegantes – estavam vestindo. Bem, digamos que “dava pra passar”, se não ficasse “desfilando” muito...

(Continua)




 

Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 07/11/2010
Reeditado em 20/03/2019
Código do texto: T2601898
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