Surdo por dinheiro
Era uma quinta-feira e eu fui a Mogi Mirim para averbação de uma ata da Academia Nogueirense de Letras no cartório de registro de títulos e documentos. Eu já havia ido na mesma semana umas duas vezes e por sorte sempre encontrava uma vaga para estacionar o carro bem perto do dito cartório. Por algum motivo de uma movimentação maior, nesse dia eu não encontrei um lugar, então segui mais adiante e vi uma placa de estacionamento, li um cartaz onde estava escrito: meia hora custa um real. Reduzi a velocidade, liguei o pisca e enquanto entrava um senhor me apontava, com um dedão comprido, o local onde eu deveria colocar o veículo.
Observei que o mesmo já fazia uma anotação num pequeno bloco e sem falar bom dia, boa tarde ou boa noite, ele esticou a mão antes que eu saísse do carro e me entregou a folhinha, onde constava a placa do carro e o horário que eu estava entrando.
Fui ao cartório e para minha felicidade não demorou nem quinze minutos. Voltei contente, entrei no estacionamento e fui logo puxando conversa com o senhor:
- Eu pensei que ia demorar mais, apesar de que era só para entregar uns documentos, mas ainda bem que não demorou, essas coisas de cartório sempre são demoradas...
Esperei algum comentário, um sorriso, o que fosse, mas a única coisa que aconteceu foi que ele esticou novamente a mão para que eu entregasse a folhinha com o horário da entrada no estacionamento.
Mas eu insisti:
- Hoje está um dia muito bom, apesar da chuva, está mais fresco, não é?!
Finalmente o homem abriu a boca, dentes podres, mau hálito:
- É um real!
Eu tirei o dinheiro do bolso e arrisquei perguntar o nome do velhinho:
- Aqui está senhor... Qual é o seu nome mesmo?
- Álvaro Bento.
Meu pai! Exclamei. Certinho, pensei comigo, porque rima perfeitamente com avarento!! Não ouviu nada do que eu falei, é surdo por dinheiro.
Só os avarentos não querem saber no que os outros pensam ou como vivem, só se importam com o bem material e nunca o maior bem que podemos ter, o bem da irmandade e do dividir as cargas psicológicas uns com os outros, para que a vida seja mais leve e alegre.