Morte aos Nordestinos?
Francamente têm horas que quando eu leio algumas asneiras, sinto-me como se tivesse nascido em outra nébula. Quando eu percebo claramente algum texto ou citação que conote segregacionismo ou qualquer outra maneira de repugnância, exaltação ou odiosidade contra grupos de pessoas; bate uma vergonha enorme de pertencer a este mundo ou de conviver tão próximo de gente deste tronco.
Eu que viajo sempre pelo mundo (quando posso) em busca de novas descobertas pessoais e de conhecimento para enriquecimento de minha cultura, costumo aportar em cantos tão remotos e raramente ouço pessoalmente, ou percebo; pessoas me descriminando por ser latino ou brasileiro; mas também já vi coisas horríveis, como em Portugal e Espanha, quando policiais advertiam pessoas para possíveis saques dos “pretos” (pessoas africanas que perambulam por ruas e praças movimentadas dos dois países pedindo esmolas). Em outras circunstâncias, perceber o ódio, estilhaçando de árabes e judeus, uns com os outros, é uma coisa lamentável e deplorável.
Minha pele é caucasiana e muitos podem dizer que levo vantagem por isso, mas eu afirmo que não. Não se trata de pele, credo, raça; se trata de índole pessoal, de caráter ou discernimento intelectual. Se de fato acreditamos que vivemos em um mundo dividido entre seres humanos, seres animais, seres vegetais e seres inanimados; aqueles que são rotulados como seres humanos, independentemente da cor ou qualquer outra característica social, em tese, pela Lei natural, deveria ser irmão de todos os outros. Se ele é africano, estadunidense, japonês ou nordestino, isso é apenas uma conseqüência geográfica ínfima.
Muitas pessoas imaginam que são humanas e superiores e que todo o resto é animal selvagem; pessoas que acreditam que muitos dos seres humanos não conseguem discernir e que somente dão despesas, como se fossem apenas os brancos que auferem e amealham as fortunas públicas. Quem pensa assim possui desvio de caráter; as pessoas que descriminam outras, por causa da cor, credo, condição social ou opção sexual, com 100% de certeza, possuem anormalidade intelectual com características desvio de personalidade puxada para a crueldade, desprezo próprio, sadismo e solidão. São pessoas que deveriam ter acompanhamento médico rigoroso, porque são capazes de matar ou morrer por uma causa imbecil criada por elas próprias.
A primeira vez que eu fui ao Rio Grande do Sul, naquele Estado surgia mais uma vez um ideal vazio e inútil de separação com o resto do Brasil. Confesso o meu temor quanto a recepção de alguns gaúchos, porque se falava muito que o Brasil de verdade era da metade para o Sul e que os nordestinos eram os grandes destruidores da arrecadação pública. Comentava-se muito que o Sul e o Sudeste produziam riquezas para alimentar o Norte e Nordeste, mas curiosamente apenas os nordestinos eram os mais atacados. Mas ao chegar a Passo Fundo, o que ocorreu foi justamente o contrário; fui recebido com carinho e não me faltavam convites para festas tradicionais gaúchas, onde o orgulho de muitos deles era me apresentar como baiano.
Recente uma notícia me deixou triste; tal notícia ganhou todos os jornais e as televisões anunciaram em massa o caso da paulista estudante de direito Mayara Petruso que atacou os nordestinos em comentários ignóbeis e criminosos no Twitter. Segundo Mayara "Nordestino não é gente. Faça um favor a SP, mate um nordestino afogado". Para a OAB-PE, "são mensagens absolutamente preconceituosas. Além disso, é inadmissível que uma estudante de Direito tenha atitudes contrarias à função social da sua profissão". Outras frases postadas por Mayara foram: "Tinham que separar o Nordeste e as bolsas vadio do Brasil" e "Construindo câmara de gás no Nordeste matando geral".
A indelicadeza da estudante, segundo consta na imprensa, deu-se depois da vitória de Dilma Rousseff, que segundo ela, aconteceu apenas por que os nordestinos foram os que decidiram o pleito em prol da vitória da petista. Mas seria esta mesmo a justificativa de alguém que se rotula estudante de leis? Será mesmo que esta senhora, a Mayara, está no curso certo? Para alguém escrever tais barbaridades publicamente, apenas uma coisa me vem a cabeça; é que ela não entende nada de política, possui claro atrofiamento da capacidade de raciocínio lógico e nutre uma cólera desnecessária para com milhões de pessoas que trabalham duro, ganham pouco e sorri o tempo inteiro; pessoas que costumam agradecer a Deus pelo pão e pelas raríssimas oportunidades que lhes chegam; caso claro de todas as esmolas que os Governos deram ao Nordeste ao longo de séculos de abandono!
A seção de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil afirmou que vai entrar com representação criminal na Justiça de São Paulo; em julho deste ano, a seção pernambucana da OAB já havia prestado queixa à Polícia Federal contra cerca de dez usuários da rede social por mensagens ofensivas à população do Nordeste, após as enchentes na região; uma vergonha para os brasileiros que costumam se servirem do trabalho quase escravo de muitos nordestinos e ainda acham que estão lhes fazendo bem; depois os descartam como lixos ou animais peçonhentos!
Além do processo em que será ré, Mayara Petruso perdeu seu estágio no escritório Peixoto e Cury Advogados, de São Paulo. Segundo informa a imprensa, a chefia do escritório só soube pela mídia da repercussão dos comentários da estudante e a demitiu. "Com muito pesar e indignação, o Peixoto e Cury Advogados lamenta a infeliz opinião pessoal emitida, em rede social, pela mesma, da qual apenas tomou conhecimento pela mídia e que veemente é contrário, deixando, assim, ao crivo das autoridades competentes as providências cabíveis".
Devido à polêmica e às diversas respostas recebidas, a estudante cancelou tanto seu perfil no Twitter, quanto no Facebook. Pelo Orkut, ela pediu desculpas aos nordestinos. "Minhas sinceras desculpas ao post colocado no ar, o que era algo pra atingir outro foco acabou saindo fora de controle", escreveu em seu perfil.
É possível que ela não goste das praias da Bahia, que não curta a musicalidade de Caetano Veloso, Maria Bethania, Gal Costa, Simone; que não curta o humor e as rendas do Ceará; que jamais tenha admirado as belezas das Alagoas; que não conheça os prazeres de Sergipe ou as dunas do Rio Grande do Norte. Talvez ela não compreenda a importância que possui o Maranhão e Piauí na grandeza de Brasília; que não entenda as riquezas de Pernambuco, as histórias da Paraíba. Talvez Mayara jamais tenha lido Jorge Amado ou João Ubaldo Ribeiro; com certeza ela nem sabe do que Euclides da Cunha escreveu; muito menos quem tenha sido Lampião; talvez Mayara Petruso nem saiba ao certo quem ela é, onde nasceu; quem são seus pais. Com certeza Mayara não faça a menor idéia que para ela viver a mediocridade de seus estudos inconsistentes em São Paulo, milhares de nordestinos derramaram sangue e suor; talvez ela seja ingrata, acéfala, alienada, insana, demente, maníaca, pirada e psicopata; talvez ela seja todas as anteriores!
Mayara Petruso deveria ter mais respeito pelo povo brasileiro e deveria saber mais sobre quem fez, quem ajudou e quem dilapida de fato as riquezas do Brasil. Deveria saber que se Dilma Rousseff foi a mais amplamente votada no Nordeste é por que o povão sofrido viu mais benefícios com ela do que com Serra e nas próximas eleições, talvez o seu candidato invista mais no Nordeste para virar este quadro.
Esta moça incivil sabe que cometeu um crime, segundo um livro que se chama Constituição; mas talvez ela nem saiba o que é uma “constituição”. O povo nordestino paga impostos; consome bens e serviços, viaja, estuda, enfim, eles fazem tudo como os povos de todas as outras regiões do Brasil. Se uma região é mais pujante do que outra, paciência; nós é quem deveríamos criar mecanismos que erradicassem tanta desigualdade e não criamos oportunidades de ataques entre nós. – Já imaginaram uma placa num tribunal com o nome: Dra. Mayara Petruso Juíza de Direito? – Alguém já imaginou esta universitária sendo delegada de polícia? Misericórdia! Que o curso que ela ingressou por acaso, seja sempre, apenas um imprevisto em sua vida e que ela logo descubra que necessita de ajuda espiritual e médica, para não terminar os dias numa cadeia ou num manicômio. Se esta moça fosse numa igreja da Universal, com certeza ela seria submetida a uma seção do descarrego!
Fica registrado aqui o meu pesar, por ainda existir gente assim. Que a Mayara consiga se livrar das amarras que ela possui com o desconhecido; que ela possa enxergar que todos nós pertencemos à mesma raça, a raça humana e que raramente somos diferentes uns dos outros, pelo menos até encontrarmos gente como ela.
O mundo tende a uma versão mais humanista, onde fronteiras sejam abertas e que haja, acima de qualquer coisa, respeito mútuo para com as culturas, as cores de pele, opções sexuais, os credos e as raças de cada aldeia, cada tribo, cada cidade...
Se permanecermos criando grupos isolados onde cada um se julgue melhor do que o outro, em dias próximos estaremos diante da maior bagunça mundial e neste caso, eu desejaria ver, ao menos uma vez, quem é que recolheria o lixo produzido por gente igual à Mayara?
Apenas para registro público eu sou baiano de Feira de Santana, de pele branca e me orgulho muito de ser nordestino, de uma região de “Sertão”, onde o sol é uma constante o ano inteiro e onde a chuva alimenta muito mais do que estômagos, alimenta a esperança de sempre nos mantermos longe das amarguras. Moro no Sudeste há anos e sempre que posso retorno ao Nordeste, porque no Brasil, lugar melhor e povo mais afável, com certeza não há!
Que o Criador nos liberte urgente de pensamentos desta natureza e que possamos enxergar aquele que vem a nossa frente, como simplesmente, nosso irmão ou na pior das hipóteses, nosso colaborador!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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