“Vai vivendo”
A PÉ E DE CORAÇÃO LEVE
EU ME ENVEREDO PELA ESTRADA ABERTA,
SAUDÁVEL, LIVRE, O MUNDO À MINHA FRENTE,
À MINHA FRENTE O LONGO ATALHO PARDO
LEVANDO-ME AONDE EU QUEIRA.
DAQUI EM DIANTE NÃO PEÇO MAIS BOA-SORTE,
BOA-SORTE SOU EU.
DAQUI EM DIANTE NÃO LAMENTO MAIS,
NÃO TRANSFIRO, NÃO CAREÇO DE NADA;
NADA DE QUEIXAS ATRÁS DAS PORTAS,
DE BIBLIOTECAS, DE TRISTONHAS CRÍTICAS;
FORTE E CONTENTE VOU EU
PELA ESTRADA ABERTA.
(WALT WHITMAN)
Num ponto, eu e o meu irmão somos extremamente diferentes: eu me preocupo demais com tudo, ele nunca se preocupa com nada. Isso deixa meus pais tranquilos demais comigo e de cabelo em pé com ele. Ou então o contrário. Porque bem sabem que por me preocupar demais, sofro mais; e para ele, no fim, tudo dá certo de algum jeito.
Ele leva a vida num sossego, deixando tudo literalmente para a última hora. Na gente, dá um arrepio de medo de não dar tempo dele fazer o que precisa, de não dar certo, não conseguir. Mas para ele pelo jeito é justamente a tranquilidade que ajuda.
Talvez comigo, a ansiedade e o excesso de cautela sejam a razão de eu ter que me preocupar mais. Círculo vicioso.
A questão é que tudo precisa ser comedido, equilibrado: nem se preocupar demais, nem de menos. Ele já perdeu sim viagem porque não deu tempo. E eu já sofri sim duplamente, por antecipação.
Então, quando estou no auge da ansiedade, lembro dele. Quando compartilho uma preocupação, ele diz: “ah, vai vivendo aí... uma hora dá certo.” Na hora, não me conformo por tamanho sossego. Mas depois vejo que em muitos casos é a única saída – esperar pacientemente.
Num dias desses, quando ele passou por uma angústia e me ligou, foi a minha vez de dizer: “engraçado, tem uma pessoa que costuma me dizer ‘vai vivendo aí’”. E ele caiu na gargalhada. Não falei no sentido de revidar, não. Não sou disso. Apenas lhe servi do próprio remédio. E foi bom. Resolveu. Ele nunca mais se esqueceu disso e sempre repete nas nossas conversas confidenciais.
Falando assim, pode dar a impressão que o meu irmão é um preguiçoso, insolente e relaxado. Mas não é não. Ele é tranquilo sim, mas também é super esforçado, dedicado, caprichoso e responsável. Especialmente, quando quer...
“Vai vivendo” – é o lema dele. E assim é feliz. Mas tudo só dá certo porque ao mesmo tempo em que ele “vai vivendo”, vai também cumprindo seus objetivos e sua missão. Ele não deixa de fazer nada por “ir vivendo”. Ao contrário, “vai vivendo” intensamente tudo que precisa.
Então, aprendi com ele que não é preciso mudar muita coisa para ser feliz. Não é preciso mudar de vida, de rota, de condições ou ir muito longe. É preciso apenas mudar o jeito de caminhar. Exatamente como disse o poeta Thiago de Melo: “Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é o jeito de caminhar.” E tudo fica mais leve, mais tranquilo, mais feliz.
(São José do Rio Preto, 03/11/2010)