Texto fora de época

Esse texto que se chama "Sábado" foi escrito por mim lá por 1990/1991, não lembro ao certo. Escarafunchando meus guardados, dei com ele e decidi agora divulgá-lo. Se na época eu tivesse acesso a um meio de comunicação acho que teria feito sucesso. Aborda o confisco da poupança, as explicações confusas do turco Eires, os factoides do presidente, essas coisas. Se o leitor viveu essa época vai entender...

************** SÁBADO ***************

O bom do sábado é acordar e pensar: hoje é sábado (se for cedo, dorme-se de novo).

Este sentimento enaltecedor do ócio se estende para sexta-feira: - amanhã é sábado. Porque, tão bom ou melhor do que o sábado propriamente dito, é a perspectiva do sábado.

Ele tem uma mística toda própria, uma espécie de pré-estréia das férias.

O que existe de tão saboroso para ser feito neste dia que desperta tamanho prazer? Sobre a manhã de sábado nada posso falar, para mim é um mistério. Em geral ainda estou dormindo sob os efeitos da noite anterior.

Atividades mais diversas podem ocupar a tarde de sábado. Uma ida ao supermercado para comprar guloseimas, uma passada mais demorada no vídeo clube, ou um futebol soçaite com amigos, são algumas possibilidades. Mulheres aproveitam para se embelezarem, vão ao salão fazer o cabelo e as unhas, num ritual preparativo para a noite de sábado, que no fundo, acaba não se constituindo em um acontecimento especial, porém sempre precedido de fortes expectativas.

Dizem, não sei se é verdade, que Deus, na sua suprema sabedoria e competência, após fazer o mundo em questão de dias, deu uma boa relaxada no sábado (quem sabe para andar de jet sky no dia seguinte, controlando a sua pressão arterial?). Mas será que aconteceu assim mesmo?

Não teria Ele descansado só até as seis da tarde e á noite dado uma esticada numa festinha para comemorar o lançamento do mundo, por assim dizer, recentemente inaugurado? Tipo uma noite de autógrafos ou uma vernissagem? Lembre-se que Ele é brasileiro e como todo poderoso exibido.

Fico imaginando como seria uma semana sem sábado. O governo decretaria que, a partir desta data, estão suprimidos do calendário todo e qualquer sábado.Todos os sábados, agora transferidos para o Banco Central, seriam devolvidos, corrigidos após 18 meses (ou 468 dias, - lembre-se que não existiriam mais sábados neste período. O governo por mais sincero, acabaria devolvendo os sábados em segundas–feiras. Após os 468 dias, voltaríamos a ter semanas de 7 dias, só que, nas primeiras 72 semanas – número equivalente aos sábados usurpados - haveria uma segunda-feira extra após a sexta, coisa confusa, assim meio de turco. Durante o congelamento de sábados, aquela famosa poesia do Vinícius de Moraes passaria a se chamar “Hoje era para ser sábado”, teríamos o domingo de aleluia, e as liquidações seriam “ só até sexta”.

Apoio esta medida sensata agora por mim concebida. Esta idéia pode inclusive ser adaptada para outros casos, como a supressão por 18 meses da noite, da chuva, da lei da gravidade (de difícil regulamentação). Para o caso da água, não. Água serve para entrar nas medidas (está dando água) e, por favor, água congelada é demais.... , ducha de água fria, nem pensar.

(1990/1991)