A priori Platônico



A priori platônico
 
É incrível como, muitas vezes, ou a grande maioria das vezes, sem consciência, interpretamos o mundo como um a priori platônico.
 
Tudo o que é real ou material, é no máximo um rascunho mal feito do ideal transcendente, segundo este princípio.
 
O físico, o natural e o imanente, segundo esta mesma linha de interpretação e pensamentos, estão muito mais para o feio, o imperfeito, o impuro, o incompleto e o errado, uma vez que no máximo, esta realidade imanente, é uma sombra ou mesmo um rebatimento do ideal de beleza e justiça transcendente e celestial.
 
Infelizmente, é assim que uma enorme parcela da população acaba observando o mundo. A própria filosofia na quase totalidade de sua historiologia repete este aspecto platônico.
 
Em algum lugar do passado, Whitehead afirmou em tom de debochada brincadeira que toda a filosofia europeia consiste em uma sucessão de notas acrescentadas a textos e ideias de Platão. Eu acho, como vários materialistas, que ele não estava de todo errado, talvez um pouco exagerado.
 
 Um pouco por tudo isto, é difícil ser materialista neste mundo, e não ser sutilmente afastado por uma série enorme de pessoas.
 
Onde todos acreditam que o belo, o justo, o ético, o digno e o correto estão no além, no transcendente, ser materialista neste pensar seria abrir mão da busca pela beleza, pelo correto, pelo digno, pelo justo e pelo ético. Ser materialista neste modo de pensar é ser aliado do mau, do feio, do tenebroso e do injusto.
 
- Simplesmente ridículo. Me perdoem a grosseira forma como me expressei. Os platônicos podem falar bonito, discorrer sobre as belezas e delícias do transcendente e do irreal, mas é aqui e agora, no real que vivemos. É aqui no real que gastamos nossas energias, é aqui no real onde ocorrem as sofridas dores do abandono social e humano.
 
Também por isto escolhi ser materialista. O mundo é real, nossas vidas são reais, nossas dores são reais, por mais que possamos justifica-las como passiveis de que nossa realidade não seja de todo real, e mesmo não obstante as visões céticas transcendentais desta realidade.
 
É necessário que encontremos paz e alegria neste mundo. É importante que ajudemos nossos irmãos a encontrarem também sua luz e sua dignidade neste mundo.
 
A natureza não é boa nem é má. A sociedade que construímos é reflexo do que somos e do que pensamos, e principalmente do como agimos.
 
Enquanto acreditarem que o sofrimento é uma dádiva e uma bênção para a purificação e o consequente alcance do belo e do justo, no além, este mundo continuará sofrendo. Não peço que necessariamente parem de acreditar no além, não desejo que necessariamente tornem-se materialistas, mas que pelo menos não neguem o direito a todos, enquanto vivos, nossos irmãos, a terem meios de encontrar sua dignidade humana.
 
Engraçado que muitos dos que mais defendem o sofrimento alheio como virtude, não sofrem junto com eles, e que na verdade estão de alguma forma fora do escopo deste sofrimento.
 
Religiosos em templos magníficos e suntuosos, com sítios e fazendas, pessoas com casas para morarem, carros para se locomoverem, salários muitas vezes acima da média de nosso povo, ricos comunistas da elite social e classes média estabelecida acabam enaltecendo o sofrimento, a pobreza e o abandono alheio, mas não abrem mão de um benefício, de um direito, de seus bens, de seus planos de saúde, de suas escolas particulares, de seus clubes, de seu lazer, de suas viagens de turismo ou de parte de seu bem-estar em prol destes mesmos miseráveis sofredores.
 
-HÁ!!! Fazem caridade. É verdade, fazem caridade, muitas vezes com o que sobra, não subtraem uma vírgula do que falaciosamente justificam necessitar
 
Este texto serve para me lembrar e me conscientizar de que mais importante do que juntar minhas economias, é lutar para que todos tenham o mínimo de dignidade humana para viver.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 02/11/2010
Reeditado em 03/11/2010
Código do texto: T2593501
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