Do Sol Quadrado ao Sol Redondo
Minha imaginação é fértil, mas não o suficiente para imaginar qual é a sensação de estar numa cela como prisioneiro, independentemente da razão ou das razões que me levaram para aquele lugar. Mas farei uma tentativa, ainda que inútil, de imaginar essa situação...
Criminoso comum, vítima de algum regime opressor, réu de uma acusação equivocada, prisioneiro de algum contexto factual ou psicológico ou até de um acidente natural (a queda num poço ou o soterramento parcial numa caverna, por exemplo) e impedido de respirar e se deslocar com liberdade, eu perderia o sétimo sentido: A razão.
A razão de viver se esvai nessa privação de liberdades física e mental, por mais que se recomende o exercício da frieza emocional e da paciência, do autocontrole e da confiança na recuperação.
Onde e como esteja, o prisioneiro observa os primeiros raios do sol nascente pela pequena janela gradeada de ferro, imaginária ou real. Seus pensamentos fluem em busca do oxigênio da liberdade por cada fenda possível.
“Aqui estou –reflete- como ave engaiolada, como fera na jaula, isolado de tudo e de todos, condenado irremediavelmente à morte vil, sem que ninguém e nada ouçam os meus gemidos e me libertem”.
Por alguns segundos, sente a morte chegando, mas tenta afastá-la invocando imagens confusas de sua vida, como as de sua mãe sorrindo, seu pai ralhando, seus irmãos brincando, seus jovens amigos jogando bola, sua amada nos seus braços, seus filhos lhe acariciando... Mas, a morte continua à espreita, indiferente à sua reação.
Sua respiração ofegante faz pulsar seu coração em ritmo acelerado, e frio suor escorre de sua fronte... As pernas trêmulas obrigam-no a ficar ajoelhado, com as mãos no peito, como à espera do golpe fatal.
Nesse instante, nada faz algum sentido, a não ser o vazio da escuridão, porque os olhos não mais se abrem em busca do sol que nasce quadrado. Seus pensamentos não fluem mais em busca do oxigênio da liberdade, da luz, dos sons, das cores, do perfume exalado pelas flores lá fora...
Estático, naquela posição de ser imolado, sente que a morte o abraça e o leva...
Transfigurado, ele experimenta súbito alívio. Já não mais sofre as agruras de prisioneiro. Sente o oxigênio da liberdade penetrar seus pulmões,revolver seu sangue e suas emoções e agitar sua mente.
Assustado com tamanha transformação, ele abre os olhos e constata que ainda continua de joelhos e vivo dentro do cárcere. Levanta-se, olha ao redor, e não vê mais a morte credora com seu alfanje de cobre.
Esfrega as suas mãos, belisca seus braços, cofia os cabelos, toca levemente com o dedo indicador a parede da cela, como se não estivesse acreditando que ainda está vivo. Na língua seca, um gosto estranho de absinto.
Um pardal pousa na grade da janela, com um ramo de capim no bico, e espia curioso o interior da cela... Ainda atônito, o prisioneiro observa o passarinho inquieto, mas ele bate as asas e desaparece.
“Sim... estou vivo - conclui o prisioneiro.”
Lá fora, o sol redondo já brilha com mais intensidade, aquecendo a manhã e despertando no prisioneiro a vontade de resistir e de superar as suas dores, num milagre de morte e ressurreição.