LEMBRANÇAS

Gente, se há uma coisa que me irrita são pais corujas. E o que me irrita mais do que pais corujas são os vídeos caseiros feitos pelos pais corujas. Na minha época (mãe do céu, já posso falar “na minha época”) os tais vídeos eram produzidos em fitas mesmo – ou seja, estragavam, criavam fungos, se perdiam. Hoje, em plena Era Digital, eles são arquivados em formatos aparentemente eternos e estarão sempre lá, à espera de virem a público.

E tem filme de tudo que é tipo: primeira babada; primeiro tombo; primeira meleca do nariz; primeira palavra (que nada mais é do que um grunhido primitivo interpretado ao bel-prazer dos pais da criança – “Fala ‘mamãe’ pra câmera, Luizinho, fala!”); primeira festa junina (essa era terrível: você era obrigado a pintar a cara, dançar com uma menina – e com sete anos isso é um suplício - usando um chapéu de palha e eles ainda achavam que você estava adorando); primeira comunhão (não mastiga a hóstia!, não mastiga a hóstia!); crisma...

Mas não pára por aí. Por que seus pais o filmariam se não fosse para expô-lo ao ridículo de mostrar a fita aos amigos? E você ainda tinha que ficar lá na sala junto - sério, eu preferia me esconder, pular pela janela, me arremessar sob um carro do que ficar vendo aquilo. E o evento era narrado: “Olha que bonitinho agora...” – normalmente esse era o pior momento da gravação. Ou então: “Quer ver, quer ver só, o Paulo Roberto é aquele lá atrás, escondendo o rosto”. Não diga, mãe?! Por que será que eu estava escondendo o rosto, hein? Mas, não, a tortura nunca era suficiente.

Uma vez, meus pais me fizeram cantar... Em inglês... Com apenas sete anos... Pode?! Eles achavam que eu ia ser famoso, tipo o Reginaldo Rossi. Pior ainda: era uma música do James Taylor! Depois, não satisfeitos, pediam para você fazer ao vivo: “Canta pra tia Sônia ver, filho”. Há dados oficiais do IBGE que dizem que essa situação constrangedora é a maior causa de suicídio infantil... Eu não duvido.

O que me intriga também é a quantidade de pessoas que passaram por isso e que hoje fazem o mesmo com seus filhos. Acho que é uma maldição, sei lá. Pior, como o treco atualmente é no digital, dá para apagar se estiver ruim... e fazer de novo. Cena 5, tomada 419, gravando:

- Muito bem, filhote, vamos tentar acertar o piniquinho mais uma vez.

Meu filho não vai passar por isso, e tenho dito. Afinal, gosto das coisas ao natural. Se pensarmos bem, os momentos mais legais da infância não têm como serem capturados por nenhuma lente. São inesperados, surpreendentes e, por isso mesmo, os mais especiais. Estão lá em cima da roda-gigante, sobre os galhos da velha árvore do quintal, no jogo de baralho inocente, no olhar, no sorriso, na lembrança de uma blusa branca, de uma pequena bicicleta, de uma peixada ao som de viola, na tarde em casa com suco de laranja e pipoca... E não precisam de ninguém a gravá-los, pois ficarão sempre na memória, guardados com carinho, lá no fundo, apenas esperando um clique para que despertem. Independente de quanto tempo se passe e da distância que os separe.