OUTRA ESTÓRIA

As palavras daquela mulher sufocavam e incomodavam como uma espinha de peixe atravessada numa garganta sensível. Daquelas que se come com farinha, toma soco nas costas, engole-se litros e mais litros d'água e não passa. Nem sobe, nem desce: continua atravessada

No caso, os amigos é que sofreram; ela falou, gritou, esbravejou, prometeu, chorou. Eles, solícitos, emprestaram ouvidos, deram conselhos, tapinhas nas mãos e afirmaram, convictos, " que logo iria passar". Mas depois de duas horas, o sufoco ainda não passava. Muitas lágrimas e enxaquecas depois, as palavras ainda dançavam na sua mente, o tom de voz frio e firme ainda doía em nossos ouvidos. A mágoa não diminuia, não passava. Mas também - grande consolo - não aumentava. As paredes da sala a sufocavam.Pela janela não vinha uma brisa que refrescasse suas emoções esfoladas. "É só orgulho ferido", se dizia. "Não gosto de levar desaforo. O seu ego..."Mas sabia que não era só "ego" que sofria. O corpo palpável também ardia, nas longas noites sozinha, lembrando e sorrindo, recordando e chorando, lembrando e querendo, recordando e se maldizendo, lembrando e se abençoando, numa mistura como só os amargos de coração - desiludidos, - sabem fazer.

Já devia estar no terceiro sono, mas ainda estava debruçada à janela, louca da vida com o cachorro do vizinho que latia sem parar para coisa alguma, e mais chateada ainda consigo mesma, que com aquela idade toda ainda não aprendera a dar a volta por cima de "fim de coisa". E mais aborrecida ainda com o "outro", que a refeitava tão profundamente, mas que também lhe deixava tão boas lembranças, que o faziam única, a seus olhos, a sua mente...tão boa e tão

prejudicial! tanto ter de bom, quanto de ruim...

Somando-se, havia mais coisas boas, os melhores momentos a dois separavam as mágoas, e ela sabia que devia arregaçar as mangas, jogar o olhar para trás, levantar a poeira e dar a volta por cima.

Mas eta! coisa difícil de se fazer... Coisa estranha, o gostar. Coisa esquisita, a mágoa. Metade de si queria-o de volta: para massacrar, morder, atirar aos lobos; a outra metade para conversar, trocar idéias, voltar às boas. Seu lado prático queria rasgar telefones, arranjar outro amigo, sair e passear; seu lado romântico queria curtir, ouvir Elis Regina, Tom Jobim e Zélia Ducan, ler poesias, se fechar um pouco, como se ainda fosse uma adolescente curtindo o fim da primeira - e, última e definitiva - amizade.

Entre os dois lados, se dividia: ela prática/sonhadora/boa. Ele, mau/incompleto/indiferente; Macho a procurar sua fêmea, mulher a esperar seu sonho, carente a esperar seu carinho.

"Vai passar, se dizia, como uma oração. E aí eu vou..."

A primeira semana foi dura. A segunda foi mais calma. A terceira, longe dos olhos, perto dos ouvidos; queria telefonar, ficar "pelo menos amiga dele. Na quarta, capitulou. Telefonaria. Primeiro, ensaiou o que diria, com direito a roteiro e tudo. Depois, suspirou fundo. "Se ele não estiver, foi Deus quem quiz. Desligo e fim."

Mas foi ele mesmo quem atendeu.

- Oi, minha amiga!

(ela gelou...)

- Está tudo bem? Quando a gente vai se ver?

(ela se pergutou o que estaria havendo)

- ...

- Desculpe por outro dia. Eu estava chateado, acho que poderia ter ficado calado. Você me desculpa?

(ela achou que o outro não precisaria ter cehgado a tanto).

- Da para a gente se ver hoje?

O amigo saiu faz um minuto.

Interessante a súbita falta, que ele não lhe faz. Quando a amizade é com respeito, preenche todas as lacunas da vida.

Sorri, sempre às lembranças das conversas, das brincadeiras, dos bons tempos. É bom tê-lo longe. Mau é levá-lo a sério, querer em demasia, tentar freá-lo, pois derrepente ele pode virar uma espinha de peixe, ou algo mais sério... e indigesto.

Mas por enquanto, é só alegrias e felicidades...

Melhor não pensar muito. Vai haver mais uma vez. "N" vezes.

Ou, talvés mais nada.

Porém aí já será outra história...(estória).

Autora: MYRAMAR ROCHA - 01/11/2010

(Cada palavra desse texto é dedicada a uma colega de trabalho - claro que da história real acontecida, o contexto foi modificado, para não haver mais polêmica).

MYRAMAR ROCHA
Enviado por MYRAMAR ROCHA em 01/11/2010
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