Terceiro dia

Meus fones de ouvido costumam me levar para outro lugar. As notas se fundem aos degraus das escadas, os solos deixam as pixações dos muros mais vivas. Tudo fica tão perfeito que chego a ver a estrada de tijolos amarelos em minha frente.

Até meu encontro com a dura realidade.

Suas mãos estenderam-se a mim, segurava um embrulho brilhante.

- Feliz aniversário.

Meus pensamentos congelaram. Exatamente vinte e quatro horas antes de tal ato lá estávamos nós, no mesmo pedaço de asfalto, nossas vozes em potência máxima, nossos rostos tingidos pela raiva, discutindo pelos mesmos motivos de sempre: drama, ciúmes, sentimento de posse. Em poucos segundos, senti vontade de me tornar uma assassina. E agora aquilo. Os olhos dele fitando o chão, a voz mal saía, os braços estendidos. Ambas as mãos segurando o embrulho.

Naquele mesmo metro quadrado de cimento vi os últimos anos sendo jogados fora. Não houveram grandes discussões, rompimentos. Apenas conversas e um auto-controle tão bom que descontrolou-se no meio da rua, com um toque do meu celular. E agora, o que seria isso? Uma tentativa de redenção?

- Ah, obrigada.

Peguei o pacote, saí sem dizer mais. Só queria saber onde estaria a lata de lixo mais próxima.

Giulia Dohoczki
Enviado por Giulia Dohoczki em 31/10/2010
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