206 – A GRANDE VIAGEM...
Nos últimos meses a vida lhe parecia um fardo insuportável, talvez porque lhe faltasse o motivo para dar novo rumo à vida.
Eu não me lembro de já tê-la visto em sonoras gargalhadas, mas seu semblante era sempre de uma tranquilidade que amansa as águas do mar. Aquela calmaria e serenidade que prenuncia tempestade.
Durante a breve enfermidade do marido, companheiro de todas as horas e o primeiro amor, segurou a barra com uma fé de quem veria as coisas se resolverem em breve. Não deixava os filhotes, embora já bem crescidos, perceberem o turbilhão em que ia a sua alma para não aumentar sofrimento que a perda recente lhes causara. Aliás, duas: seu cunhado e o marido.
Estendendo as mãos como um grande abrigo ela tinha um olhar capaz de fazer entender que poderiam contar com ela, fossem os filhos ou irmãos e irmãs e noras e o genro. A netinha então poderia fazer todas as estripulias do mundo. Na família dos seus pais, as mulheres, têm perfil bem diferente dos homens, isto é, puxaram mais a matriarca e assim as filhas sempre com jeito apaziguador de querer apagar o fogo da inquietude dos irmãos. Os estereótipos não lhe cabiam.
O casal lutou bravamente para dar aos filhos uma formação sólida tanto no aspecto moral quanto cultural. Hoje poderiam traçar novos rumos para suas vidas já que com marido aposentado lhes sobraria mais tempo para curtir suas outras paixões: a pescaria e as belas orquídeas que cultivava em casa.
Um roteiro de uma vida tão bem cumprido pelos dois foi tragado pela doença que o João tentara sublimar pelas preocupações com o então sofrimento do irmão que já estava lutando há vários anos e como ser humano. (Ás vezes prefere sofrer calado). Foi um susto tremendo a agonia que lhe foi imposta pouco tempo depois da partida do Dadá.
Enfim, o furacão aparecera e levou o seu esposo e o seu gosto pela vida. Orientada pelos preceitos de que aqueles ligados aqui na terra estarão ligados no Céu, empreendeu a grande viagem, foi ao encontro daquele que amava ternamente.
Saudades dos amigos: João Roque dos Santos e Maria de Freitas Basílio.