Procura-se uma menina

Eu tenho marcas de apenas três anos por todo o meu corpo. Por toda a minha alma. Eu tenho os mesmos olhos negros que brilharam por toda a minha infância, que agora me parece tão distante... Minha pele não tem o mesmo viço. Meus planos não tem o mesmo calor eufórico de outrora - são meramente planos medíocres de acordar cedo e ir atrás de coisas que profundamente não me fazem sentido.

Hoje a manhã estava linda. O sol brilhava sobre uma grama intensamente verde, de um mundo que não é o meu. O que aconteceu com aquela menina? Em que esquina desses três anos ela finalmente desistiu? Havia algo de cruel naquele coraçãozinho selvagem que a fez desistir dessa mulher completamente vulnerável e sozinha? Pobre menina! Sofreu tanto... Como condenar os que sofrem?!

Acho - é uma simples impressão - que ela jamais subiria num ônibus de novo. Aquele dia ela estava triste e amedrontada, mas confiante. Sempre confiava. Obrigava-se a ser corajosa por inúmeros motivos, todos doces. Todos puros. Afinal a felicidade era uma palavra tão fácil que não haveria de ser impossível, estivesse ela, onde estivesse. Hoje acho que ela não subiria naquele ônibus. Mas esta é apenas uma impressão minha, porque não vejo aquela figura determinada e doce há muito tempo.

Lembro-me apenas de como ela se recusara a beijar pela última vez o namorado, na frente do pai ciumento. E de como ela chorara no ônibus, longe dos olhos dos pais, já tão apreensivos. Suas lágrimas foram, apartir daí, sempre omitidas, para que não machucassem mais ninguém além dela. Um erro talvez. Vai saber... Parecia-lhe certo. Pena que desde então nenhum desses bobos erros de menina puderam ser revertidos.

Sinto falta de ser tão grande por dentro. Sinto falta do cheiro das folhas de goiabeira e dos sorrisos frágeis e infinitos que eu soubera dar há tempos atrás. Talvez se alguém por aqui houvesse conhecido aquela menininha eufórica e cheia de sonhos, ela jamais teria ido embora de mim. Eu não estaria tão sozinha agora.

Pego-me imaginando se ela procura pelo mesmo ônibus, por uma chance de desfazer tudo isso... Ah, minha pobre criança! Infelizmente a vida parece não ter volta.

Nanda NP
Enviado por Nanda NP em 29/10/2010
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