Aboio da esperança
Encontrei Lego visitando o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, em Itabaiana/PB. Lego tem quinze anos. Quando era menino, escutava o pai no seu canto amoroso bovino consagrado a apascentar o gado nas fazendolas de São José dos Ramos, antiga São José de Pilar, terra de vaqueiros, cangaceiros e cantadores de viola, sendo o maior deles chamado de Manoel Xudu.
Lego se chama Josenildo da grande família Silva, um menino do povo, sem eira nem beira, mas cultivando a experiência do pai naquele canto dolente e monótono do pastoreio, sua maior riqueza, a herança deixada pelo genitor vaqueiro. Menino esperto e mente veloz, aprendeu a cantar o aboio com os mais velhos, levado pela força comovente dos costumes dos antepassados.
Hoje é um aboiador de fama. Não guia as boiadas, raras, mas já desperta a admiração dos colegas. Muito menino em São José dos Ramos deseja aprender a arte de Lego. Entre o poder áureo da poesia e a vaidade do sucesso, navegam garotos como Zé Val, Jessé, Severo, Júnior de treze anos, Raimundo com apenas onze e outras crianças que veem em Lego um exemplo a ser seguido, naquela cidadezinha tão sem nada onde agora já esplandece o ideal de ser poeta e cantar aboio nas vaquejadas e festas de rua.
São José dos Ramos é a capital do aboio. A noção do valor dessa tradição secular, presente na nova geração de sãojoseenses, conduz ao renascimento de um costume artístico antigo que agora virou festival anual. O Festival de Aboio de São José dos Ramos já vai na décima terceira edição. Acontece entre os dias 3 e 5 de dezembro, onde se exibem artistas famosos como Galego Aboiador, o rei das vaquejadas nordestinas.
Josenildo, o Lego, estuda na Escola Maria Caxias, onde aprende as matérias normais e instrui-se na história dos costumes do seu povo. É a orientação da prefeita do lugar, uma médica que deixou a vida boa na capital do Estado para cuidar de sua gente, fazendo com que tenham orgulho de sua cultura. A prefeita Cida Amorim diz que essa é a sua maior obra na cidade: fazer com que a constituição afetiva da comunidade seja realçada por meio da cultura. “É uma ação que não rende votos, mas tenho a lúcida consciência de que estou plantando sementes para a valorização do ser humano, e isso é, ao final, o objetivo de todo gestor público”. Ou deveria ser, acrescento eu.
Lego vai se apresentar no Festival de Aboio ao lado do seu grande ídolo, o Galego Aboiador. Comovido, ele diz que quer ser um aboiador profissional, de vaquejada. Gravar CD, empolgar as multidões com seu canto de campo. Em direção à plenitude de sua arte simples, Lego vai ter sempre a doutora Cida ao seu lado, como uma referência de respeito e amor à cultura popular.
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