Saudades de mim 2. Vida simples.

Cou, cou, cou! Vem, vem, vem! Era assim que meu pai se aproximava do Brilhante,(Brilhante era o cavalo dele) quando ia pega-lo no pasto prá ir na vila fazer compras, e o Brilhante coitado, sempre caia na armadilha, pois meu pai aproximava-se dele com um prato com sal, ou uma espiga de milho na mão à frente e a outra escondida atrás com a corda e quando bichinho aceitava o agrado, meu pai passava-lhe a corda no pescoço e pronto, um cavalo tão grande, ia tão dócil, seguindo meu pai, amarrado por uma corda tão frágil! Essa cena repetia-se quase todos os sábados. Depois de arrea-lo meu pai deixava-o amarrado no mourão da cerca e ia tomar banho e se aprontar e depois de pegar uma lista de compras com minha mãe e dois sacos alvejados para trazer as mercadorias , montava o Brilhante e, trot, trot, trot, pegava o rumo da vila. A lista de compra era bem básica, arroz, feijão, sal, açucar, farinha, querosene para as lamparinas, aviamentos de costura prá minha mãe, tipo, agulhas, linhas, elásticos, viés, sianinhas, e meu pai nunca esquecia a garrafa de pinga, pois antes do jantar ele sempre "matava o bicho".As vezes meu pai extrapolava e comprava sardinha e manjubinha salgada, bacalhau, mortadela, paçoquinha e dôce sírio prá nós. Quando não tínhamos mais o que calçar, ele trazia alpargatas, e como não íamos na venda para experimentar, ele levava a medida dos nossos pés em pedaços de barbante. As alpargatas minha e de minha irmã eram vermelhas com uma tira no peito do pé e um botãozinho de lado, as de meus irmãos eram azuis e de meus pais marrom, mas todas elas quando iam ficando velhas, pareciam que criavam bigodes, devido aos fiapos da sola de corda que se soltava, aí era só pegar uma tesoura e ir aparando. Ah, que saudades daqueles tempos de vacas magras! Eu, meus irmãos e a molecada da vizinhança, brincavamos nos imensos quintais, corriamos pelos pastos, brincavamos no córrego, tínhamos gatos e cachorros, patos, galinhas, e nenhuma preocupação. Não tínhamos rádio ou tevê, sequer eletricidade, mas uma alegria desenfreada de viver. Hoje moro numa grande cidade, presa num apartamento, sem conhecer os vizinhos, ouvindo o barulho incessante do trânsito de grandes avenidas, preocupada com a saúde que não está lá essas coisas, com as finanças pois os tempos estão bicudos, bombardeada com notícias de tragédias, crimes e corrupção pela tevê, internete, radio e jornal, intoxicada de propaganda eleitoral, descrente em políticos, temendo pelo futuro do Brasil, e......Ah que saudades de mim, saudades da criança que carecia de tanta coisa material ,mas que tinha de sobra, paz e alegria de viver! Ah, que saudade!

Madaja Dibithi
Enviado por Madaja Dibithi em 28/10/2010
Reeditado em 12/12/2010
Código do texto: T2583962
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