Eu e a minha escada.

Cai da escada, literalmente, um tombo daqueles, coisa de três metros de altura. E lá fui eu, na gravidade, cotovelo esquerdo e mão direita direto no concreto, aqui, da calçada. Um pouco de sangue, inventando de sair mais do que devia, mas a cabeça está salva, consegui poupá-la a tempo. Eu estava mesmo já muito relaxado,à vontade naquele seu vai e vem. Pensei até ter dominado aquele balanço, antecipando o seu movimento. Mas ela me pegou de surpresa e pra valer. É nisso que dá essa minha mania de ver degraus seguros, onde eles não necessariamente existem. Poxa, que pena, eu confiava nessa escada, gostava mesmo de subir nela, mesmo assim, oscilante como é.A oscilação era boa, trazendo sempre de volta, aquilo de bom que levava. Depois da queda, a coitada ficou toda torta, talvez até pior que eu, mas isso não resolve o meu problema, nem consola, pois ela fez sua parte, me deixando subir até aquela altura, ao menos por um certo tempo. Tenho que dar um crédito à ela, não é uma má escada. Só não merece uma confiança plena e tem suas limitações. O problema de julgamento, portanto, foi meu, lhe projetando qualidades que ela não tinha e nem pediu pra ter. Ofereceu aquelas com que contava e, por minha conta, idealizei as demais. Ela vai entender o meu afastamento, se conscientizar de seus defeitos e perdoar as projeções que fiz, enquanto estávamos juntos. E, talvez, alguns pensem que, nesse modo delicado, que venho adotando para falar de minha relação com uma escada, eu venha escondendo metáforas a respeito de alguma pessoa. Não, sinto frustrá-los, cai mesmo de uma escada e doeu pra burro. Dois vizinhos vieram me ajudar. O Hernani, na frente da casa dele, viu a coisa acontecer no ato. “Nossa, um milagre você não ter quebrado nada. Tá tudo bem? E esse cotovelo ai, cara, vai passar alguma coisa nisso, pra parar o sangue.” -ele disse. Tomei as precauções e parei o sangue, mas não resisti à tentação do que, por hora, escrevo, o meu romance com uma escada. Afinal, nunca tinha me relacionado com uma.

Dassault Breguet
Enviado por Dassault Breguet em 27/10/2010
Reeditado em 28/10/2010
Código do texto: T2581611