SHOW
Depois de findado o banho de sol, todos voltam às respectivas celas. Que constituem em pequenos cômodos, cor de cimento, com uma cama de alvenaria, minúsculo banheiro, uma porta e uma abertura chamada de janela, cada um.
O banho de sol era à hora mais esperada, significava lazer e contatos com os irmãos. Relação que na maioria das vezes traduzia em acordos. Era o único momento fora da visita, para saber como o mundo girava fora das grades.
Relativamente há pouco tempo nessa rotina, João do Boy forçosamente começava acostumar. Naquele dia chegou a sua cela ainda transpirando futebol, recebeu no peito a frieza e a escuridão do cimento, não tendo como evitar a pesada meditação.
Quem chegou ao pico. Idolatrado. Principal peça do último título. Agora no auge da desgraça, odiado por alguns. Burro, coitado e bobo para outros, sentia-se como peixe fora d’água prestes a morrer.
Na desordenada reflexão, João do Boy espanta-se pela coincidência dos uniformes, ambos vermelhos e pretos. Do time, vermelho e preto da guerra, da superação, da vontade de ser reconhecido, de ser alguém, e foi. Do cárcere, os vermelhos da camisa de malha e calça de brim se apresentavam como sangue da crueldade, se é que ela existiu, pois estava totalmente confuso, devido à maldita badalação alimentada pelas frágeis mentes humanas. O preto é a própria pele, negritada pelo ambiente carcerário, que dava a sensação de solidão e dúvida retratada nos dogmáticos olhares dos irmãos de pecado.
O vermelho do uniforme do presídio trouxe outra idéia, se assemelhava ao do personagem Chapolim, um super-herói, uma espécie de bobo. Um bobo da corte. Em atuação com o uniforme do time, João do Boy era também um bobo da corte herói, vez que, alegrava e representava força extra para muitos.
A figura do bobo da corte se modificou e expandiu ao longo do tempo. Passando a ser entretenimento para todos, de todas as formas possíveis. Como toda expressão artística, deixa recado, João do Boy sentiu-se incorporado ao espírito do bobo da corte. Mais do que isto, o encosto estava contigo há tempos. Se, no passado de glória servia de entretenimento universal dado à grandeza da sua agremiação, do seu talento e do super-herói que foi e dava seu recado. Hoje, em razão da sua desgraça, é entretenimento para os afortunados, que o usam para terem espaço no mundo, também não deixa de passar sua mensagem pelo silencio.
Como já foi dito, para os ditosos, João do Boy passou a ser uma espécie de bobo, vilão e herói. Vilão não precisa explicar. Bobo-herói, é em decorrência de que, mesmo na infelicidade, ainda enche muitos bolsos. Porem esqueceram que, no Código dos Pecados, somente Deus estabelece a pena.
Órfão da própria personalidade, João do Boy segue a vida com um barco sem remador, que ao balanço das ondas vai perdendo suas tabuas. Se por acaso aparecer uma ilha e se atracar, um pescador o adotará. Como verdadeiros pescadores estão em extinção, o barco sem pescador, isolado na ilha e se deteriorando, tomará que, reserve nas suas fendas um pouco de terra para germinar uma nova semente, para um novo sentido para a vida que prossegue. Vá!
Wilson Brasil
BH/26-10-10