A Empregada

A Empregada

Há tempos, durante um desses papos de almoço, um amigo, o Kadão – solteiro convicto, casa dos 40 e ainda morando com a mãe – me comentava, entre uns e outros prazeres de vida de solteiro, uma de suas únicas agruras: A mulher que arrumava seu quarto. Ou melhor, a empregada. Personagem da maioria de nossas casas e apartamentos, diária ou mensalmente, lá está ela. Amada, às vezes, por quebrar imensos galhos, escondendo nossas travessuras da mãe severa que quase todos nós tivemos, ou por fazer aquele prato delicioso que nos deixa prostrados de tanto comer. Odiada, na maior parte do tempo por remover todas as nossas “referências de vida” - leia-se aqui “tranqueiras” – principalmente quando de trata daquele monte de “bolachas” que insistimos em roubar dos bares nas baladas, pôr para lavar aquela camiseta que teimamos em usar vinte vezes ou limpar aquela estante repleta de cd’s – que naturalmente estão fora de ordem – mas que sabemos exatamente onde está cada um deles. Depois que a “bendita” passa por ali, um portal dimensional se abre e todos os cd’s simplesmente desaparecem. Recolocados na mesma estante parecem ter sido substituídos por outros. Mas, ainda assim, para nós, atabalhoados e estressados cidadãos, um mal necessário.

Esse meu amigo, no entanto, era radical: Tinha que ser exterminada a classe, e a profissão, proibida. Era absurdo o que a Antonieta – esse era o nome da dita cuja - era capaz de fazer no quarto dele, segundo me contava. E quanto mais eu achava graça e tentava amenizar a situação, mais ele ficava nervoso e se alterava. Em dado momento da conversa, chegou até a se exaltar, jurando vingança.

- Cara, o que é isso? Deixa pra lá....sua mãe já tem certa idade e precisa de alguém para ajudar nos serviços de casa. Se ela trocar de empregada, pode ser pior. Ensinar uma pessoa nova é ainda mais complicado. Além do mais a Antonieta é de confiança!

- Só que você não tem idéia de como ela me irrita. Parece que faz de propósito. Outro dia, precisava de um sapato para ir trabalhar. Sabe onde ela tinha posto o bendito? Dentro do guarda-roupa!! ‘Tá cansada de saber que lugar de sapato não é no guarda-roupa!!!

- Kadão, você achou os sapatos? Ela só está fazendo o trabalho dela, poxa! Você quer arrumar o seu quarto? E a casa inteira? Pega leve com a Antonieta!

- Pega leve nada! Dia desses, eu ainda mato aquela desgraçada!

- Mata nada Kadão! Se matar vai preso e além disso fica sem empregada! E caía na gargalhada quando via que o meu amigo ficava mais nervoso com as minhas brincadeiras. Mas ele parecia nem me ouvir. Prosseguia irritado...

- E semana passada então! Ela achou de arrumar todas as minhas revistas cara! Todas! Sabe o que aconteceu? Sumiram todas! Eu quase tive uma síncope com aquela mulher!

As têmporas do Kadão, a essa altura, estavam com as veias dilatadas e os olhos injetados de raiva. Fiquei surpreso com a comoção do meu amigo sobre o assunto. Como ele sempre foi o “esquentadinho” da turma, não dei importância. Como vi que a coisa podia ficar realmente feia, mudei o rumo da conversa e minutos depois nos despedíamos para retornar ao trabalho.

Tempos depois, num domingo, lendo o jornal pela manhã, a seção policial me chamou atenção. Uma notícia, em especial. A manchete destacava o teor da reportagem e, algumas linhas depois, o nome da vítima e detalhes do crime. Mas, o que me tirou o fôlego mesmo foi ver o nome do meu amigo Kadão ali, em meio aos textos da notícia. Nunca levamos o Kadão muito a sério. Apesar de “esquentadinho”, ele era o mais “palhaço” da turma. Parece que dessa vez, a coisa foi um pouco diferente. Ele tinha jurado vingança. E cumprira a promessa. Mas algo dera muito errado. Maria Antonieta da Silva, o suposto alvo, fora jurada de morte e meu amigo tinha ido cumprir a sentença. A polícia identificou sinais de luta e Ricardo de Oliveira Sobrinho, o meu amigo Kadão, tinha sido baleado e morrera no local, sem tempo para socorro. Antonieta, pelas circunstâncias e pelo modo como ele foi atingido, estava sendo indiciada por homicídio doloso.

Meu amigo não conseguiu o que tinha ido fazer. Mas pelo menos, a Antonieta não vai limpar seu quarto por um bom tempo.

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