Nostalgia em Sépia

Parece até que eu tinha alguma pretensão quando me dirigi até o alpendre, andando sorrateiramente sob o assoalho velho

que chiava a cada passo.

Descansei o copo de conhaque na cerca de madeira e concentrei-me em pensar nos fatos atuais. Foi então que uma mulher apontou no

horizonte.

Ela, com um sobretudo vermelho, em contraste com aquele lugar: a rua que em seu estado de sépia lembrava aquela Londres

dos tempos de monarquia. E eu abestalhado com tamanha beleza.

Seus passos eram firmes e desprendidos. Ela andava como se estivesse pronta para fazer alguma coisa muito importante,

não implicava o quê.

Seus sapatos Jimmy choo, eram vistosos, e podia-se notar com grande facilidade um anel em seu dedo mínimo,

que era de uma pedra verde e grande, como uma esmeralda.

Sua pele era branca, e suas bochechas rosadas como as de uma garotinha inocente, o que contrastava com sua verdadeira personalidade.

Ela olhava fixamente para o fim da rua, seu olhar obstinado a chegar em algum lugar, não mudaria a direção que focalizava,

mesmo sendo um muro que deixava bem claro que era o fim da linha, uma rua sem saída.

Então ela continuou com seus passos milimetricamente perfeitos e seu olhar intenso.

Subitamente, pude notar que seus lábios se moviam muito rapidamente,

como se estivesse dizendo fervorosamente algo que tentasse decorar,

mas, seu olhar era convincente o bastante para dizer que, o que ela tentava falar era certamente calculado.

Seu cabelo comprido esvoaçou num vento solitário que atravessou toda a rua.

E então, ela estava apenas a trinta metros da portaria da pousada em que eu me hospedava, e era incrível como parecia que ela ia mesmo entrar ali.

Um pouco mais obstinada, ela avançou até chegar ao fim da rua.

E num movimento surpreendentemente rápido, ela se virou e sumiu na porta de entrada.

Eu não me movi um dedo do lugar, continuei observando a rua até que a campainha tocou

e eu, absorto demais em meus pensamentos, quase automaticamente, cogitei abrir a porta.

Simultaneamente, uma viatura da polícia estacionava em frente à pousada.

Dois policiais impecavelmente uniformizados saíram do carro, revelando um ar de mistério.

A campainha tocou uma vez mais, e me despertou para a realidade.

Peguei o copo que continha a bebida em tom de amarelo dourado, que sempre acompanhava meus pensamentos insanos.

Caminhei até a porta o mais depressa que pude e a abri.

Não havia ninguém do lado de fora. Ela não estava ali, como eu queria que estivesse, a minha espera.

Olhei mais atentamente o lugar e, pude notar um papel pardo, muito bem dobrado e selado, no chão, onde eu quase pisara.

Recolhi o papel, procurando por algum tipo de identificação, enquanto caminhava de volta ao alpendre,

para conferir o que acontecia lá fora.

Havia um aglomerado de pessoas bastante curiosas, na entrada da pousada.

Os policias saiam conduzindo a mulher misteriosa que chegara a pouco com seus passos elegantes.

Ela agora estava diferente, com a pele muito clara, os lábios rubros, e o cabelo jogado em cachos perfeitos, num tom castanho-cobre.

Um dos policiais abriu a porta de trás do carro, enquanto o outro segurava a mulher presa em algemas.

Ao ver a porta aberta, ela deu um passo a frete e, docemente, beijou o rosto do policial, que parecia perplexo. Então ela entrou no carro com toda sua elegância.

Enquanto os policiais entravam no carro pelas portas da frente, um deles disse em alto e bom som "Aqui vamos outra vez".

E o carro arrancou e manobrou até que saísse da rua.

Mal conseguindo digerir todas aquelas informações, tirei o lacre da carta, e descobri uma caligrafia bonita com os seguintes dizeres "Do you love her or do you wanna she die?"

Seguidos de um beijo marcado pelo mesmo rubor contido nos lábios da mulher que a pouco fora levada pela viatura da polícia.

Um tilintar de talheres vindo do andar de baixo, me fez abrir os olhos com relutância, então eu me levantava como se tivesse visto tudo aquilo como realidade.

Parece até que eu tinha alguma pretensão, quando me dirigi ao alpendre, andando sorrateiramente sob o assoalho velho

que chiava a cada passo...

Absolém
Enviado por Absolém em 26/10/2010
Reeditado em 26/10/2010
Código do texto: T2579525
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