Dentadura?! Eis... O xis da questão?!

Nelson sempre foi um homem ditatorial para a sua família. Sua mulher e as duas filhas; o temem. Fora de casa ele é outra pessoa. Amigo de todos é muito querido. Dupla personalidade? Somente, uma análise muito bem feita com um bom psicanalista pode demarcar a psique da figura em questão.

“Aqui quem manda sou eu! Eu sou o absoluto nesta casa! Sou o sultão neste meu harém! Por isso façam o que eu mando”.

Mas, se uma gripe ou dor de barriga o acomete; o homem muda torna-se manhoso, chorão, um chato.

“Ai, ai, ai... como dói. Rosinda venha aqui! Ai, ai, ai... faça um chá de erva-doce à dor de barriga me consome.”

Sua vida foi regada por bailes, cinemas, passeios, viagens, enquanto, a sua mulher fica em casa cuidando de tudo.

O tempo corre, escorre, rola, enrola... Pega o Nelson no contrapé da história. Fica velho e mais rabugento ainda com a sua família. Não quer comer. Rosinda uma cozinheira de mão cheia esmera ainda mais nos pratos. Nelson senta a mesa; olha, cheira, experimente e cospe a comida.

“Você colocou alho? Não como com alho!”

“Não coloquei alho, pois sei que você não gosta.”

E o martírio da mulher continua por meses.

Um dia, Nelson precisa ser internado. Anemia!

No hospital todos os profissionais da saúde gostam muito dele. Nelson com o seu rosto condoído e corpo frágil, os olha e sempre tem uma palavra de carinho para cada um deles. É conhecido como o Vovô Doçura.

Fica sozinho, com uma das suas acompanhantes, por sinal uma das suas filhas, pois Romilda no dia do seu internamento leva um tombo e fratura duas vértebras.

“Não vou comer sua bruaca. Não quero esta comida horrível. Vá para o inferno! Tenho saudades da comida da Romilda.”

Sua filha o olha e procura entender o gênio tão difícil do pai.

Quinze dias internado. Todo furado! Um litro de sangue. Um litro de soro termina, o outro começa. E assim, uma semana depois aceita comer papinha.

“Olha o avião. Abre o hangar para ele entrar. Agora é o trem que está chegando à estação. Abre a boca para ele abastecer.”

E assim, ele começa a melhorar. Uma das enfermeiras acha falta da sua dentadura inferior.

“Vovô Doçura; será que o senhor engoliu a sua dentadura? Então, está explicado, o motivo de você só querer comer papinha!”

Procuram pela dentadura no hospital e em casa, e não a encontram.

Alta hospitalar! Vista como um alívio pelas duas filhas que revezam aos pés do leito do pai e da mãe, que também sofre as dores, com as quebraduras.

“Quero comer arroz, feijão e bife. Chega de papinha.”_decretou o adoentado.

“Mas! Papai, o senhor não consegue mastigar, pois perdeu a dentadura”.

“Faça o que pedi”.

Mariana vai para a cozinha e prepara o pedido do pai.

Hora do almoço. Prato de arroz, feijão e bife nas mãos, Matilde, com toda a sua calma vai servir o pai.

Uma colherada! Mastiga, mastiga, mastiga... E o infeliz não consegue engolir. Cospe tudo no chão.

“Maldita dentadura. Tenho que comer papinha!”

Passam os dias. Nelson quer comer rapadura.

Romilda corta a rapadura em pedaços para por aos poucos na boca de Nelson. Na primeira mordida...

“Ai! Que dor! Você mastigou o meu dedo!”

A mulher, então, encontra a dentadura! Ela nunca havia saído da boca de Nelson!