A JORNADA DA VIDA E SUAS METÁFORAS
Secretamente investigado por: Angelo Magno


 
Longe de sua terra natal, um andarilho caminha a passos largos contra o vento em uma tempestade de areia, carregando consigo apenas um cântaro contendo um líquido precioso conhecido como metáfora que servia para matar a sede dos que estão distantes de qualquer conforto que possa subornar seus sonhos. Dos seus pés, habituados a veredas estreitas, íngremes e retilíneas, nascem histórias que se inscrevem nas areias do tempo e servem de guia para quem se aventura ao desafiante deserto em sua peregrinação por aquelas terras.
 
Bem no meio do caminho havia uma pequena aldeia que, há tempos, era usada para abrigar temporariamente os que por ali passavam com uma rústica hospedagem para pernoites. No entanto, já fazia algum tempo que a população desta aldeota vinha crescendo, é que alguns peregrinos, cansados dos percalços da trilha desértica, acabaram por fincar residência, constituindo família na localidade e gerando filhos que nasceram sem conhecer o mundo fora dos limites da cidadela, estes por sua vez, não passaram aos seus descendentes a verdade sobre sua origem nômade. Para sobreviver, o crescente número de habitantes contava apenas com uma cisterna de água barrenta e se dedicava a colheita de frutos exóticos da região que apresentavam um sabor adocicado, apesar de produzir mau hálito após sua ingestão.
 
Ao entrar pelo largo portão daquela pequena cidade, o andarilho foi recebido com certa desconfiança pela maior parte dos habitantes, mas alguns se aproximaram para lhe oferecer água da cisterna e comida, ao provar, porém, cuspiu aos pés dos anfitriões que permaneceram atônitos com tamanha prova de mau gosto. O mal educado visitante abriu rapidamente seu cântaro metafórico e matou sua sede em goladas resolutas, lambendo os lábios para não deixar escapar uma gota sequer.
 
Uma criança que estava na multidão se aproximou e, puxando o manto daquele estranho homem, pediu um pouco do líquido que parecia tão saboroso ao tempo em que foi prontamente atendida. Ao beber um único gole de metáfora, o menino caiu diante da multidão que havia se formado no local e desfaleceu. Seus pais correram ao seu encontro o pegando nos braços e, logo que constataram que estava morto, gritaram desesperadamente por ajuda.
 
A multidão enfurecida agarrou o andarilho e o espancou, mutilando-o com socos e pontapés. Depois de linchado, o aviltado homem foi levado para um local onde os criminosos eram mortos sendo brutalmente assassinado e tendo seu corpo jogado no deserto, fora dos domínios da aldeia enfurecida.
 
Dois dias depois, na casa daquela criança que havia bebido a metáfora, todos ainda velavam sua morte e faziam companhia aos seus pais, inconsoláveis pela perda aparentemente inexplicável. Depois de algumas horas do raiar do sol daquele primeiro dia da semana, como alguém que simplesmente acorda depois de uma boa noite de sono, o rapazote se levantou do seu leito de morte. Uma gritaria geral tomou conta da casa, ninguém acreditava no que estava acontecendo, os pais estavam apavorados e alguns diziam ser aquilo obra de feitiçaria e que o menino estava possuído pelo espírito do andarilho.
 
Sem fazer caso da situação, o pequenino calçou as sandálias, caminhou até a porta da casa e saiu. Pávidos, todos o seguiram à distância até chegar ao local onde espancaram aquele estranho visitante. O garoto pegou o cântaro que ficou jogado no chão após o linchamento e continuou caminhando até sair da cidade por uma portinha estreita que havia na lateral sem que ninguém tivesse coragem de segui-lo.
 
Algum tempo depois, correu a notícia pela região de que a metáfora, apesar de amarga, não era letal, mas causava uma nova espécie de nascimento da qual, quem dela bebesse, não teria mais sede. Homens, mulheres e crianças começaram a sair de suas vilas e aldeias para as trilhas desérticas, acreditando que apenas carregando seus cântaros metafóricos, não pereceriam de sede, fome ou frio e parece que jamais estiveram tão certos.






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