Inventar de novo o amor

     Não me lembro bem o ano em que fui pela primeira vez ao Rio de Janeiro. 
     Sei, apenas, que foi no início da década de 1960, e me hospedei na Rua Ataulfo de Paiva, no Leblon, que ainda perdia em badalaçâo para a eterna Copacabana e a terna Ipanema da garota.
     Como naquele tempo eu já tinha medo de voar, cheguei no Rio de Janeiro de ônibus. Troquei uma passagem da Varig, que me fora gentilmente oferecida, pela poltrona de um busu-leito da Viação Itapemirim.
     Foi uma viagem demorada, mas tranquila. Suportei bem a BR 116, com todas as suas deficiências na parte de apoio.
     Naquela década, os desastres rodoviários ainda não ensanguentavam as estradas, levando pavor a quem preferia as rodovias do sul.
     Mas já se dizia, que o fino era chegar no Rio a bordo de um transatlântico de luxo. Eu sempre achei que até a pé é bom chegar na Cidade Maravilhosa.
     Dois dos meus netos nasceram numa maternidade que fica no bairro de Laranjeiras e hoje moram em um dos recantos mais agradáveis e pacíficos do Rio.
     São vizinhos do mar. Andando um pouco, veem o pão de açúcar, para mim, depois do Cristo Redentor, o cartão-postal mais bonito do Rio de Janeiro; mais encantador ainda se olhado, a partir da enseada de Botafogo. 
     Moram distantes dos problemáticos morros. E isso me dá um relativo sossego quando vejo pela televisão - e é o que está acontecendo neste instante - o confronto entre bandidos e policiais, com o anúncio da morte de uma inocente, atingida por bala perdida.
     Na última vez que estive no Rio - e não faz tanto tempo assim - circulava pelo Arpoador, aproveitando uma bela manhã de sol.
     Eis que, de repente, rebentou, vindo de Ipanema, um quiproquó dos diabos, obrigando as pessoas a procurarem abrigo.
     Interrompi minha cervejinha, e deixei de lado a insinuante carioquinha que por mim passava "a caminho do mar", e pedi asilo na garagem mais próxima. E lá fiquei, até a paz voltar a reinar no pedaço.
     Retornei ao calçadão.
     E enquanto me serviam uma Bavária bem gelada, recordava a carta-canção do Vinicius de Moraes ao Tom Jobim, ambos frequentadores, não tenho dúvidas, daquela praia em que naquele momento me encontrava, quando por aqui estiveram.
     Não me lembro a época em que a carta foi escrita e cantada. Com certeza, bem antes de 9 de julho de 1980, o dia em que o querido Vini morreu.
     O Poetinha, na misssiva sonora, já chamava a atenção do amigo Tom  para "este Rio de amor que se perdeu", ressaltando, em seguida, que "Ipanema era só felicidade".
     De lá para cá, nada mudou. Só piorou!
     Ainda vendo o final da reportagem policial - semelhante a outras tantas que continuam arranhando a imagem do Rio - achei que estava na horas de dizer pros cariocas: olha, gente, "é preciso inventar de novo o amor", apelo do Vinicius na carta ao Tom, estes dois filhos da Cidade Maravilhosa que, em vida, só tiveram uma preocupação, ou seja, fazer do Rio de Janeiro uma cidade cada vez mais alegre e definitivamente feliz.
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 24/10/2010
Reeditado em 29/10/2010
Código do texto: T2575631