ESCRAVOS DE NOSSAS IDEIAS E AÇÕES

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Certa vez, numa roda de prosa, ouvi o seguinte comentário: fulano tem umas manias esquisitas... Até certo ponto, é um comentário bem comum nas conversas informais. Se formos raciocinar sem preconceitos, chegaremos à conclusão que todo mundo tem lá suas manias, principalmente, se já somam uma boa quantidade de anos vividos. Eu tenho minhas manias e, certamente, você tem as suas. No entanto, devemos tomar cuidado para que essas manias não se extrapolem. Por diversos motivos, ainda não totalmente esclarecidos pela ciência, as manias podem se transformar em doenças chamadas cientificamente de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), transformando-nos "em escravos de nossas próprias ideias e ações".

Santo Inácio de Loyola (1491-1556), antes de se converter, era um soldado extremamente vaidoso e tinha uma vida fútil. Depois de convertido, o fundador da Companhia de Jesus, passou a carregar uma enorme culpa pelo seu passado e como não conseguia livrar-se desta culpa, pois estava sempre presente em sua mente desenvolveu a mania de confessar sempre os mesmos pecados. "Ele começava a recordar seus pecados e, como num rosário, ia pensando de pecado em pecado, e lhe parecia de novo que estava obrigado a confessá-los outra vez."¹

Pior ainda, são as manias da professora Denise (44 anos). O tormento começou aos 12 anos, quando minha avó morreu e eu me culpei por não estar ao lado dela. Minha primeira mania: toda vez que passava pela imagem de um santo que tinha em casa, tinha de tocá-lo e me benzer. Se eu não cumprisse esse ritual, tinha certeza de que, quando eu completasse quinze anos, minha mãe morreria. Todos os anos, como nada de ruim acontecia, eu estipulava uma nova idade para a suposta catástrofe. Foi assim até o 38º aniversário. Logo depois que minha avó morreu, vi um filme de terror em que os filhos do diabo tinham o número seis tatuado no braço. Desde então tenho pavor do número seis.

Eu sou compelida a realizar uma tarefa inúmeras vezes. Do contrário sinto que as pessoas que amo, podem sofrer algum mal. Todas as noites antes de dormir, tenho de cumprir um ritual que leva até três horas. Eu deito; imediatamente me levanto, e vou ao banheiro. Na volta para o quarto, tenho de tocar na imagem de Jesus Cristo pendurada no corredor. Antes de me deitar novamente, encosto-me a cada um dos santos que tenho no quarto. Ao todo são quase trinta imagens. Deito e pego “o santinho” que guardo debaixo do travesseiro e me benzo três vezes. Já aconteceu de eu repetir esse ritual 21 vezes. É como uma avalanche. Quando começa, é impossível parar. A angústia de não fazer o que minha mente pede – por mais ilógico que seja – é pior do que repetir as ações sem parar.

Não seria sem razão dizer que Denise é como Sísifo, personagem de Odisseia, poema épico de Homero. Como castigo por ter enganado Zeus, Sísifo foi condenado a levar uma pedra enorme até o topo de uma montanha e deixar rolá-la até o sopé para começar tudo de novo. ®Sérgio.

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1- Relato do biógrafo de Santo Inácio, sobre confissão feita no mosteiro beneditino de Montserrat, em meados do século XVI.

Se você encontrar omissões e/ou erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte sempre.

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 23/10/2010
Reeditado em 13/06/2013
Código do texto: T2574693
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