A Fé e o Voto


Escamoteia o apóstolo pelos cantos do muro de pedra, no pátio do Sinédrio. Gritaram seu nome, chamando-o de Pedro, acusando-o: “Ele é um deles”. Negou, pela segunda vez, como Jesus lhe dissera, assim se fizera, negando, também, antes de o galo cantar, a terceira vez. Pedro sentiu medo da inconsciência das massas, de morrer, ao contrário dos cristãos, que, descobertos nas catacumbas, entregaram-se ao martírio, sendo carnes vivas aos famintos leões, como espetáculo do Coliseu, em Roma. Séculos depois, também alhures, durante a Inquisição, outros foram queimados, acusados de meras invencionices ou de pensar “ideias heréticas” por uma facção poderosa da Igreja, alegando a defesa da fé.

A
fé, também em outras culturas, tornou-se motivo político, conforme a força da quantidade de crentes ou de fiéis e do seu fanatismo, chegando a transformar modelos de governo em república teocrática. Isto estimula os aiatolás, sacerdotes, padres, pastores, bispos e pais ou mães de santo a gostarem do poder e a deixarem a missão pela qual optaram. Se pretenderem a política, que se licenciem das suas atividades. O homem, esquecendo que poder é serviço, sempre se mostrou movido pelo sexo, pela riqueza e pelo poder. Quanto a este último, basta a circunstância, e, através dela, o poder se instala. Quando ela não acontece, o político constrói circunstâncias favoráveis, algumas proibidas até pelo bom senso. Chegam a professar, ao mesmo tempo, várias seitas, desde que lhe deem voto. Igual ao uso da camisa, conforme as cores do torcedor. Se o eleitor torce pelo Flamengo, então há candidatos que se vestem de flamenguista; se vascaíno, eles usam camisa do Vasco. Muda de time, muda de religião ou de seita, segundo seu melhor proveito ou quando uma crença de maior quantidade de eleitores protesta atenções, promessa de fé, que o candidato jurou a uma seita de minorias. Então, o político simpatizante escamoteia: “Esses daí, eu nunca os vi”, e, com medo de perder votos, nem se incomoda que o galo cante pela enésima vez.

T
enho escutado, na rua, reclamações à intromissão de chefes religiosos “querendo mandar no meu voto” a título de “orientação”. Orientação que sempre é nada mais nada menos do que a ideologia ou o interesse do prelado, do pastor ou da mãe de santo. Que nos digam apenas a ética, não “vendermos” o voto, o que não é também orientação espiritual. Pois bem, esqueceram que o Mestre, indagado se era rei, falou claro sobre essas pretensões políticas: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18, 33 a 36). E, quando alguns fariseus (Mc 12, 13 a 17) insinuaram posicioná-Lo no partido dos nacionalistas judeus ou no dos romanos, questionando: “É lícito pagar o tributo a César?” De pronto, Ele admoestou com sabedoria: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

www.drc.recantodasletras.com.br