MINHA ESPOSA, PARTE DE MIM
Há alguns anos conheci um casal que me sensibilizou. Nos meus idos tempos de enfermeiro, tive sob meus cuidados uma senhora que vivia em vida vegetativa em conseqüência de um derrame que deixou seqüelas irreversíveis. Sua situação prolongava-se já por vários anos, alternando sua rotina entre estadias em hospitais e retorno ao lar.
Sempre fui emotivo e achava que não tinha sido selecionado para o curso de enfermagem por acaso. Comovia-me a situação das pessoas que a mim eram encaminhadas para que eu pudesse cuidar. Talvez fosse predestinado para cuidar de seres humanos, mesmo sendo militar.
Certa manhã, entrando no quarto a fim de realizar procedimentos de enfermagem, repentinamente parei, ao ver o esposo da paciente debruçado delicadamente sobre a grade de proteção do leito, e a acariciar a esposa enquanto murmurava suavemente algo que me pareceu poético e amoroso. Não ousei interromper aquela cena, limitando-me a observar em silêncio.
Tocava em som ambiente uma música orquestrada que transmitia paz ao espírito. Fiquei extasiado por alguns momentos enquanto escutava a música e logo pude perceber que ele falava poesia para a esposa inconsciente no leito.
Só após alguns minutos ele percebeu minha presença e com lágrimas nos olhos me falou murmurando: Ela gosta de música - e de poesia! Sempre pela manhã coloco música para que ela escute e declamo para ela as poesias que escrevo. Retirou os óculos e com um lenço secou as lágrimas que insistiam em aflorar dos seus olhos.
Ele sempre dava banho na esposa, evitando que outras pessoas o fizessem, limitando ao enfermeiro apenas os cuidados de enfermagem, como administração de medicamentos e tratamento de algumas feridas (pequenas escaras) provocadas pelo contato prolongado de partes do corpo com o leito, o que ocasionava deficiência de oxigenação devido à má circulação local.
Encerrados os procedimentos necessários, ele me agradeceu como sempre e me disse:“Rapaz, esta mulher que você vê neste leito é parte da minha vida. Jamais a deixarei um só instante, e peço sempre a Deus que não me leve antes dela, para que eu possa estar sempre aqui ao seu lado. Ela me fez muito feliz e deu-me filhos maravilhosos. Esteve sempre ao meu lado nos meus momentos mais difíceis. O mínimo que posso fazer por ela é estar ao seu lado, afinal, sem ela, pouco me interessa o mundo lá fora.”
Após realizar minhas tarefas, retornei ao quarto onde estava o casal para administrar medicamentos e ele estava lá, sentado numa poltrona ao lado do leito da esposa, lendo para ela um livro e segurando sua mão. Tão compenetrado estava em ler que não percebeu minha presença. Mais uma vez fiquei imóvel sem ousar interromper aquela cena maravilhosa. A música que tocava entrava pelos meus ouvidos, pelos meus poros, como se fosse um bálsamo indescritível. Aquele quarto era uma ilha de paz naquele hospital imenso onde se ouvia gemidos e lamentos de outros pacientes a todo momento.
Depois de alguns instantes, ele levantou o olhar para mim e sorriu, enquanto lágrimas despencavam-lhe pelo rosto. Atribuiu o fato de estar chorando por ser muito emotivo, ao que mostrei compreender afirmando ser assim também. Sorrimos juntos. Então ele me mostrou o livro que lia para a esposa. Era uma história de amor. Disse-me que todo dia lia um trecho de algum livro para ela. Perguntei se ela absorvia o que ele lia. Ele me respondeu de uma forma que me deixou fascinado: “Acaso os pássaros cantam por achar que os escutam? Eles simplesmente cantam. Assim, leio para ela. Sei que de certa forma ela me escuta”.
Cuidei daquela senhora por várias de suas internações, sempre acompanhado pelo seu esposo que tanto a amava. Ao ser estabilizado o quadro, os médicos providenciavam sua alta. O esposo a levava para casa mais infelizmente, depois de certo tempo, a trazia de volta, por necessitar de mais cuidados médicos.
Tendo cumprido o meu tempo no hospital, fui transferido para outra unidade da Marinha, mais sempre mantendo contato com aquele senhor, com quem firmei amizade, e trocamos correspondência por alguns anos, principalmente no Natal (ele residia em Petrópolis - interior do Rio de Janeiro). Sempre me falava da esposa e das poesias que escrevia para ela. Quando ela veio a falecer, recebi uma carta dele onde falava emocionado: “Perdi parte de mim. Minha amada esposa partiu para perto de Deus.” Depois de certo tempo, cessaram as missivas, dando-me a entender que provavelmente ele também havia falecido, já que eu não obtinha retorno das cartas que escrevia.
Fico imaginando como existem homens que não valorizam as esposas, tratando-as como empregadas e meros objetos de realização de prazer. A mulher é a força do homem, o esteio e o alicerce da família. Não há certamente nada mais intenso que uma relação completa na qual o marido valorize a sua mulher como parte de sua própria vida. A história daquele casal foi para mim como um ensinamento ao qual jamais esquecerei.
Há alguns anos conheci um casal que me sensibilizou. Nos meus idos tempos de enfermeiro, tive sob meus cuidados uma senhora que vivia em vida vegetativa em conseqüência de um derrame que deixou seqüelas irreversíveis. Sua situação prolongava-se já por vários anos, alternando sua rotina entre estadias em hospitais e retorno ao lar.
Sempre fui emotivo e achava que não tinha sido selecionado para o curso de enfermagem por acaso. Comovia-me a situação das pessoas que a mim eram encaminhadas para que eu pudesse cuidar. Talvez fosse predestinado para cuidar de seres humanos, mesmo sendo militar.
Certa manhã, entrando no quarto a fim de realizar procedimentos de enfermagem, repentinamente parei, ao ver o esposo da paciente debruçado delicadamente sobre a grade de proteção do leito, e a acariciar a esposa enquanto murmurava suavemente algo que me pareceu poético e amoroso. Não ousei interromper aquela cena, limitando-me a observar em silêncio.
Tocava em som ambiente uma música orquestrada que transmitia paz ao espírito. Fiquei extasiado por alguns momentos enquanto escutava a música e logo pude perceber que ele falava poesia para a esposa inconsciente no leito.
Só após alguns minutos ele percebeu minha presença e com lágrimas nos olhos me falou murmurando: Ela gosta de música - e de poesia! Sempre pela manhã coloco música para que ela escute e declamo para ela as poesias que escrevo. Retirou os óculos e com um lenço secou as lágrimas que insistiam em aflorar dos seus olhos.
Ele sempre dava banho na esposa, evitando que outras pessoas o fizessem, limitando ao enfermeiro apenas os cuidados de enfermagem, como administração de medicamentos e tratamento de algumas feridas (pequenas escaras) provocadas pelo contato prolongado de partes do corpo com o leito, o que ocasionava deficiência de oxigenação devido à má circulação local.
Encerrados os procedimentos necessários, ele me agradeceu como sempre e me disse:“Rapaz, esta mulher que você vê neste leito é parte da minha vida. Jamais a deixarei um só instante, e peço sempre a Deus que não me leve antes dela, para que eu possa estar sempre aqui ao seu lado. Ela me fez muito feliz e deu-me filhos maravilhosos. Esteve sempre ao meu lado nos meus momentos mais difíceis. O mínimo que posso fazer por ela é estar ao seu lado, afinal, sem ela, pouco me interessa o mundo lá fora.”
Após realizar minhas tarefas, retornei ao quarto onde estava o casal para administrar medicamentos e ele estava lá, sentado numa poltrona ao lado do leito da esposa, lendo para ela um livro e segurando sua mão. Tão compenetrado estava em ler que não percebeu minha presença. Mais uma vez fiquei imóvel sem ousar interromper aquela cena maravilhosa. A música que tocava entrava pelos meus ouvidos, pelos meus poros, como se fosse um bálsamo indescritível. Aquele quarto era uma ilha de paz naquele hospital imenso onde se ouvia gemidos e lamentos de outros pacientes a todo momento.
Depois de alguns instantes, ele levantou o olhar para mim e sorriu, enquanto lágrimas despencavam-lhe pelo rosto. Atribuiu o fato de estar chorando por ser muito emotivo, ao que mostrei compreender afirmando ser assim também. Sorrimos juntos. Então ele me mostrou o livro que lia para a esposa. Era uma história de amor. Disse-me que todo dia lia um trecho de algum livro para ela. Perguntei se ela absorvia o que ele lia. Ele me respondeu de uma forma que me deixou fascinado: “Acaso os pássaros cantam por achar que os escutam? Eles simplesmente cantam. Assim, leio para ela. Sei que de certa forma ela me escuta”.
Cuidei daquela senhora por várias de suas internações, sempre acompanhado pelo seu esposo que tanto a amava. Ao ser estabilizado o quadro, os médicos providenciavam sua alta. O esposo a levava para casa mais infelizmente, depois de certo tempo, a trazia de volta, por necessitar de mais cuidados médicos.
Tendo cumprido o meu tempo no hospital, fui transferido para outra unidade da Marinha, mais sempre mantendo contato com aquele senhor, com quem firmei amizade, e trocamos correspondência por alguns anos, principalmente no Natal (ele residia em Petrópolis - interior do Rio de Janeiro). Sempre me falava da esposa e das poesias que escrevia para ela. Quando ela veio a falecer, recebi uma carta dele onde falava emocionado: “Perdi parte de mim. Minha amada esposa partiu para perto de Deus.” Depois de certo tempo, cessaram as missivas, dando-me a entender que provavelmente ele também havia falecido, já que eu não obtinha retorno das cartas que escrevia.
Fico imaginando como existem homens que não valorizam as esposas, tratando-as como empregadas e meros objetos de realização de prazer. A mulher é a força do homem, o esteio e o alicerce da família. Não há certamente nada mais intenso que uma relação completa na qual o marido valorize a sua mulher como parte de sua própria vida. A história daquele casal foi para mim como um ensinamento ao qual jamais esquecerei.
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Proibida a cópia ou a reprodução sem minha autorização.
www.ramos.prosaeverso.net
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Cônsul Poetas del Mundo - Fonseca - Niterói - RJ
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