Mudanças na Corte
 

– Isso, mais para esquerda, um pouco mais...
– Sim, sim, vire o chapéu mais para a esquerda e encaixe-o melhor!
– Ok! Pronto! Podemos começar a sessão!
– Gravando! Take um!
–Ué? Mas não seria um rei? Por que não uma coroa?
– Chapéu?
Tempo de enfeitar não só a cara, mas, as palavras. Tempo de dar a vez para os bobos da corte!Preparam-se todos para a grande e apoteótica cena! Muitos querem sair na tal foto oficial, mas poucos conseguirão!
Aquele parece um ensaio, talvez o geral antes do tão famoso clic final!
O homem que se veste de Carlitos tenta uma vaga na fotografia, nem que seja lá por trás, importante mesmo é aparecer na dita imagem. Isso confere regalias. Dai para frente sentar-se-ão em torno de uma grande mesa para se banquetear.
Seguirão um ritual. Terão chaves secretas, cálices de conteúdos miraculosos, muita pompa, circunstância. E posarão de Damas e Cavalheiros, e defenderão a todos da opressão, da maldade, da traição e da desonestidade. Abancar-se-ão, se não em tronos confortáveis de veludo, em vistosas cadeiras da verdade, e delas dirigirão os destinos da grande caravela.
Ou seria a corte?
Escuto o burburinho em torno do tal moço.
Dizem que ele poderia muito bem vestir-se de rei, mas, caracterizando-se de Carlitos aumenta suas chances de sucesso, mais leve, solto, alegre, certa ingenuidade necessária para atrair nossa atenção.
As pessoas precisam se esforçar para entender cada personagem.
Este é afinal um exercício. Uns, porém, são tão óbvios que até cansam.
Afasto-me um pouco e vejo o desfile dos personagens prosseguindo. Uma tal senhora de máscara vienense desfila agora, e vejo que tem o próprio rei como condutor. Será ela a provável nova detentora do cetro do poder?
            Às vezes me confundo. Se fechar os olhos, não sei se estou diante de uma cena de teatro ou de um filme de época, ou mesmo assistindo a uma boa chanchada. Nada parecido com o tal fato histórico da foto oficial.
Nas duas fotos anteriores, o rei persistiu muito para que conquistasse o tal trono e a moldura cobiçada. Foram várias tentativas, muitos personagens, mas emplacou mesmo como O rude, e não como O cavalheiro qual seu antecessor. O povo rendeu-se ao seu gestual grotesco, que qualificou como símbolo da humildade.
E foi um reinado glorioso com direito a adonar-se da cadeira da verdade por duas vezes, se é que se pode dizer assim. Sua santa mesa redonda é que não foi assim tão redonda, e quase não desceu e se o fez, desceu quadrado, arranhando.
Mas deixemos isso para trás. O novo desfile começou, está no seu ápice!
O dia da foto está chegando minha gente! Aprumem-se!
−Ei! Quem é a outra senhora com um cocar estilizado?
−Vejam, o tal Carlitos e a dama de Veneza estão tão à vontade que ela, a do cocar, mal aparece no percurso!
E lá atrás no finzinho vêm mais alguns que não consigo distinguir, estão muito longe!
 
E a caravana segue!
            E os cães ladram! Os bobos nos divertem! Divertem-se! E nós? O que fazemos ou faremos?
Ou os bobos somos nós?
 
 
 
 


Roseane Namastê
Enviado por Roseane Namastê em 22/10/2010
Código do texto: T2572460
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