Crônica e eu

Tornei-me amante das crônicas muito menina, nos tempos da escola, mergulhada na “Coleção Para Gostar de Ler”. Gosto de fazer uma comparação entre o que sinto pelas crônicas com a música do Michael Jackson, “ Music and me”. Pensar que convivo com elas há tanto tempo e no quanto elas contribuíram na construção de alguém a quem chamo “eu” provoca esse sentimento de companheirismo gostoso que a canção traz. Houve, entre várias crônicas, a que contava a história de um pobre pintinho amassado por um menino desavisado, mas dessa me lembro muito vagamente... Aliás, vou tratar de relê-la em breve. Mas lembro de muitas outras...com detalhes!

“Para Gostar de Ler” era uma reunião de ótimos escritores, um time dos melhores, coisa de seleção brasileira mesmo. Fosse campeonato, ou Copa, o título estaria “no papo”. Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos ponta esquerda e direita respectivamente, a Raquel de Queiróz organizava a torcida, Carlos Drummond de Andrade, que se você não sabia, era cronista centroavante e dos bons. Carlos Eduardo Novaes jogava na zaga, “batia um bolão”. Pena eu não me lembrar a escalação completa...

Teve também um rato, como o pintinho, mas desse eu lembro bem. Não, não era o Ben, que Michael Jackson jamais me deixou esquecer. Era um rato mesmo, um rato muito diferente do Mickey, do Ben, do Topo Gigio, esses, ratinhos fofos, muito engraçadinhos. Esse rato que conheci na crônica do, para mim e para um monte de cronista, mestre Luíz Fernando Veríssimo, era um rato por princípio. Na escrita do autor a frase, guardada para sempre na memória:

_ Um rato é um rato.

Na narrativa inesquecível ele dizia que um rato formado jamais deixará de sê-lo. Poderíamos pegá-lo, tratar dele com todo cuidado, desses que são dispensados aos bebês. Sabe talquinho, creme de assadura e toda parafernália afim? Mesmo depois de tanto cuidado, carinho e investimento, se solto, o rato faria o quê? Voltaria correndo para o esgoto, não sem antes roubar comida da sua casa e ainda fazer sujeira! Como poderia esquecer tamanha lição?

Aprendi também com esse mestre a temer o enfastiado. Ele declarou publicamente que essas pessoas provavelmente não são humanas, por isso perigosas. Conheci através dele, gente muito bacana como o Analista de Bagé, e meu queridíssimo Ed Mort, detetive atrapalhado. Personagens que foram capazes de arrancar meu riso, gargalhada eu diria, em qualquer lugar. A cabeça enfiada num livro, no ônibus por exemplo, de repente acontecia, o riso solto incontrolável. Eu era menina, já disse. (Mentira, isso acontece até hoje que sou uma menina na idade da loba.)

Sabe que rir assim em público é melhor que chorar? Mas nem isso consigo evitar. Ainda outro dia contava a uma amiga um “mico “ desses, contei que quando li pela primeira vez “A última

crônica” do Fernando Sabino eu nem era tão nova, mas emotiva eterna, debulhei-me em lágrimas, choro tão compulsivo que acabei buscando colo para me confortar em outro ambiente, afinal lia

solitária em uma sala fria. Enquanto contava resolvi buscar a crônica na Internet para ela ler, li junto. Chorei tudo de novo, acho que vou chorar sempre.

Havia ainda o humor dos textos televisivos do Guel Arraes. Como não perpetuar frases como:

"_Sinto que vamos ter problemas, diria mais Sééérios problemas..." Era o Bacana, o Juba, o Lula, a Zelda, enfim. Amigos da infância adolescente. E olha que não era só a ilimitada armação

que fazia a minha cabeça. Nesse tempo, veio para completar meu círculo o Millôr, sabe que a primeira vez que ouvi falar de Lombroso foi na leitura de uma de suas crônicas?

Além disso ele me ensinou um grande saber: “Para bom entendedor meia palavra basta, não é seu "imbe"? Adorava encontrar uma Veja perdida, num consultório médico, talvez. Era logo no princípio

da revista, eu folheava somente para encontrar sua crônica semanal. Adorava!

O Verissímo, eu sabia que estava na última página da Revista de Domingo do JB. Como em casa não assinávamos nem jornal nem revista, eu me contentava em procurar em salões e consultórios, como já disse. Há alguns anos, quando meu tio faleceu, recebi de herança uma pasta.

Ele, meu tio, recortava as crônica da revista e colocava nessa pasta. Herança das boas...Esse tio fez mais, emoldurou uma, posso dizer, obra de arte do Luíz Fernando. “ Ressaca” é algo de perfeita.

Meu tio colocou esse “quadro” na parede do bar de sua casa. Quem lesse não tomaria porre nenhum, certamente. A descrição dos momentos que um pobre ser vive quando está de ressaca é tão

detalhada e verídica que a gente sente tudinho. Só falta se arrastar pelo quarto como ele conta.

Há uns dez anos entrou para minha vida outro mestre, Mário Prata, o irreverente e descarado. Na verdade, ele ocupa lugar importante na minha formação desde muito antes. É autor da novela que mais marcou minha infância: Estúpido Cupido foi uma das experiências mais

marcantes que trouxe desse tempo. Só que eu não conhecia o autor. Para mim nesse tempo não havia autor em televisão, eu acho.

Mas conheci suas crônicas na Revista Época. Fiquei fã apoiada pela família. Ganhei vários livros seus do marido, dos filhos, de mim mesma. Carreguei “ A tese é uma tese” junto comigo para

o mestrado. Acreditei que ajudaria a escrever uma dissertação mais aproximada da pessoa comum.

Ele que, acredite ou não, “fumou” Dostoiévisk. Adora brincar com as palavras, acha cosmético uma palavra horrorosa. E defende que extravagância é um sabor de pizza e que península é remédio para

urticária. Prata me ensinou também que um texto pode e precisa de “passarinhos”. Contou isso numa crônica em que revela que o estreante Chico Buarque nesse universo cronicante (será que isso

existe? Bem, o corretor automático do meu PC não colocou suas insuportáveis ondinhas vermelhas, não) mostrou-se logo um mestre passarinheiro.

Na época em que assinei a Época, agora adulta, buscando ampliar meus horizontes, além do Prata, Pratinha como diz, comecei a ler Maitê Proença, Bibi da Pieva, Ricardo Freire, ou Xongas como se apresenta. Bom ter lido tanta crônica boa.

Afonso Romano de Sant'anna, esse um pouco triste, nostálgico. Muito bom de ler. Mas o riso fica guardado e corro para “viajar de avião” ou mesmo “andar de bicicleta” com o mestre Veríssimo. A barriga dói de tanto sacudir embalada pelas gargalhadas!

Risco mesmo estou correndo agora, medo de esquecer alguma das minhas crônicas favoritas, algum autor, cronista que, certamente, me ensinou a “gostar de ler” e daí para gostar de escrever... um pulinho!...

Então, vou quebrar o protocolo e fazer citação em crônica. Será perigoso? Indecente? Subversivo? (Boa receita para escrever outra!) Então lá vai, e resolvi radicalizar, vou usar até nota de rodapé: We've been together for such a long time now / Music, music (say, chronic, chronic) and me (Michael Jackson, 1973)1.

Venhamos e convenhamos, formação para cronista não me faltou, aí resolvi que era também e mergulhei nesse mar de palavras leves, algumas vezes tristes, outras indignadas, quase sempre irreverentes, irônicas. Mas sempre cheias de emoção e ricas de vida.

Crônica e eu.

Ps.: Ficou curioso com os “aperitivos”? Ou já conhecia? Se não, que tal ir à luta, encontrar essas crônicas e encher sua vida com elas? Vai adorar, eu sei.

1Estamos juntos há tanto tempo agora / música, música (digo, crônica, crônica) e eu