Dia dos Namorados

Começo de junho, as folhas do outono já despencaram, colorindo as calçadas e acumulando-se em pilhas junto ao meio-fio, (suposto) inverno no ar do Rio de Janeiro (mas ainda não nevou), e aproxima-se mais uma data festiva: O Dia dos Namorados. É quando os pombinhos passeiam pelas ruas de mãos dadas, lépidos e saltitantes, reforçando seus laços de amor com declarações de amor eterno e cartões, bombons e corações de veludo estofados.

Abraçam-se no calçadão, enquanto o vento forte tenta os afastar, contemplando o mar revolto, típico das ressacas do inverno. Beijinho pra cá, beijinho pra lá, e mais beijinho – tudo muito lindo. Mas eu não preciso de nada disso – claro que não! Estou muito bem sozinho, obrigado! Sou é muito independente – tão independente que não preciso de ninguém! Absolutamente ninguém!

Afinal, me diga qual é a graça de ter aquela mulher ao seu lado, aquela pele macia para acariciar, aquele cabelo cujo perfume doce contamina o ambiente, permanecendo no ar por dias, para te confortar quando você está triste ou derrubado, hein? Ou quem sabe para te trazer uma sopa quente (possivelmente até Gulasch ou Minestrone), quando você está combalido na cama, sem força própria para se levantar? Há! Mas que palhaçada! Claro que não preciso disso!

Sou um homem autônomo, autosuficiente. Não preciso de ninguém nesse mundo! Nem de uma linda sereia, umbiguinho divino pra fora, suplicando, por favor, por favor, para ser beijado, pronta para saltar nos meus braços e enroscar suas pernas compridas em volta do meu corpo. Que isso! Estou muito bem acordando sozinho, pronto para enfrentar mais uma batalha árdua que é cada dia, e voltando, exaurido, para despencar na mesma cama à noite. Sozinho, claro! Pois não preciso de ninguém ao meu lado – que isso fique muito claro!

Nem de uma morena, cujos olhos de cor turquesa contrastam com o bronzeado de sua pele, corpo escultural, esperando debaixo dos lençóis, friorenta, para que eu a "agasalhe", como diz o grande Wando na música "Vem me agasalhar". Ou então talvez uma loira de olhos amarelados me acordando de manhã com um café-da-manhã servido numa bandeja. Suco, café, torradas, geleia, manteiga – um mosaico de cores e aromas. Há! Que bando de otários esses apaixonados, esses namorados! Quem precisa disso?! Eu não, claro que não! Definitivamente, não!

O Dia dos Namorados é, como alegam muitas pessoas (mas não pessoas carentes, viu – jamais isso – nem ouse pensar nisso..!), apenas uma data inventada e fabricada pelo comércio para lucrar com esses presentinhos supérfluos e bestas. Só isso. E eu não preciso disso! Me amo tanto, mas tanto, que não preciso de ninguém! E, ademais, tenho um cachorro. E ele, graças a Deus, não fala! Posso beijar e abraçá-lo a qualquer momento - não que eu seja carente a ponto de fazer isso a toda hora - imagina! Eu, não! Estou muito bem sozinho, obrigado!

Gabriel Santorini
Enviado por Gabriel Santorini em 22/10/2010
Reeditado em 22/10/2010
Código do texto: T2572324
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