Que porra é Bob Dylan?
Aquele ar cigano, de pirata desencarnado, ou de vagabundo sem lar, que atravessa uma cidade com um cigarro na mão, atrás de fogo pra acender e tragar uma fumaça compatível com sua saúde, aquele ar, aquilo, exatamente aquilo é uma incógnita. Eu não quero definir esse ar, não quero encontrar a resposta pra essa pergunta. Isso nem teria como. Mas eu quero me indagar até o fundo da minha alma, quero exercitar os neurônios estrapolados do meu cérebro para tentar entender: que porra é Bob Dylan?
Procurei nas entrelinhas - nas estrelinhas também - embaralhadas do Crhonicles e só encontrei mais rotas sem sentidos, desconexas. Na verdade não gostaria de encontrar a resposta, mas me esforço em raciocinar sobre, talvez se um dia encontrar eu escreva um livro contando. Talvez vire best seller. Mas esse ar cigano, essa imcompreensão é o que compõe a mística desse judeu de ar cansado. E eu sei que aquela voz rouca que lança um uivo de dor, não quer ser ouvida pelo entusista descobridor de mistérios, mas quer lançar perguntas ao ar, quer fazer as situações-problemas aparecerem e desaparecem como um raio. E no final das contas, a gente coloca um disco do Dylan, acende um cigarro e chora ouvindo uma canção sem nem precisar entender que porra ele é.
Essa é a resposta da pergunta? Claro que não. Se fosse tão fácil assim os fazedores de hit's na internet teriam a mesma mística, não? Então vai mais além. Mas vai até onde? Não quero saber, eu só quero mesmo é divagar um pouco sobre essa figura singular. Eu já sei que a resposta está soprando no vento, e que ele leva e traz essa resposta. Eu quero me antenar pra não perder ela de vista, deixar ela sempre a dois palmos da minha percepção. Mas nunca ouvi-la, definitivamente. Manter a incógnita, o mito, a preocupação em descobrir que porra é esse tal de Robert Allen Zimmerman! Dizem que é muito mais que um cantor que escreve e canta poesias retiradas do fuindo das entranhas de um coração partido envelhecido em whiskey doze anos. Dizem que é muito menos que isso, um babaca, uma tarturuga escondida num casco. Mas põe casco né? Casco de cowboy solitário e de cristão renascido.
Acho que ele é o dono do Desire, isso basta. Basta até o café esfriar, e o tempo do outro chegar na mesa. O tempo do cigarro percorrer metade do papel e quase encostar no filtro, fazendo meus dedos recuarem por culpa do calor. É só o tempo de duvidar de quem é Bob Dylan, aí não basta mais. Vira outra coisa, troca de figura. Vira o dono do Bringing it All Back Home. Traidor do Folk. Os Mutantes também trairam a música brasileira, ou não? Essa história de guitarra elétrica já deu o que falar. O negócio, eu acho, é a traição. Dylan traiu a todos, por isso não podemos achar uma explicação. Como responder uma mentira, uma pergunta que não existe? Ele só é. Entendeu a ênfase no "É"? Então, tudo como está e para de se questionar.
Vou tentar não perder o vento de vista, deixar o ar cigano tocar nas minhas narinas e entrar nos meus pulmões. Ouvir a voz rouca praguejar contra a chuva, contra a sala de estar, contra qualquer coisa. Vou apenas me acomodar numa poltrona velha, colocar a mão no queixo e em posição filosófica endagar outra vez - não antes de rir de todo esse texto ridículo: Que porra é Bob Dylan?