VIROU CEBOLINHA!
Quem me conhece sabe que eu nasci em Miracema, Estado do Rio de Janeiro. Lá na minha cidade natal é comum algumas pessoas falarem coisas como cRássico, cRaro, CRarisse, incRusive, cabocRO, bRoco ... e creio que um escritor como Marcos Bagno, autor do livro “ A Língua de Eulália” (uma espécie de novela que mostra claramente como a sociolingüística vê esse tipo de fenômeno) ficaria decepcionado se alguém risse de quem fala assim.
Mesmo conhecendo o teor do referido livro e concordando com ele, a teoria na prática é outra. Certa vez, recém formada, na condição de professora do Yázigi, fui lanchar na Skip’s e não rejeitei a paquera (Acredita que eu já fui paquerada?) de um cara bonito que se sentou ao meu lado. Após a troca de nomes, perguntei-lhe de onde ele era e recebi como resposta: “Campos dos Goitacazes!”.
Papo daqui, papo dali, de repente o rapaz ficou “feio”, pois seu nome era “CRáudio” e ele estava em Linhares na condição de representante de uma famosa marca de “bicicRetas”. Aí foi um “probRema” para mim: engasguei com o suco de laranja, tossi, perdi a voz e arrumei uma boa desculpa para deixar o “Cebolinha ao avesso” sozinho.
Naquela noite comecei a pensar que como Miracema e Campos são cidades da baixada Fluminense, este fenômeno de trocar a letra “L” pela letra “R” deve ser recorrente naquela região, embora não deva se aplicar a todas as pessoas, naturalmente.
Considerando meus parcos conhecimentos adquiridos nas aulas de fonética, consigo encontrar explicações para as pessoas que trocam “M” por “N”, “P” por “B”, “D” por “T ou “C”(=K) por “G”, “F” por “V” ou “S” por “ Z” e “L” e “R”, pois neste último caso, por exemplo, a troca de fonemas está no modo de articulação que muda de constritiva lateral (o ar sai pelos lados da boca) para constritiva vibrante (há vibração da língua ou do véu palatal).
Penso que, excetuando-se a questão sociocultural (o sujeito reproduz o modelo que escuta no meio em que vive) e as questões de deficiências auditivas, uma das causas para troca de fonemas pode estar nas eventuais dificuldades que a pessoa tenha para perceber detalhes. Em outras palavras, eu hipotetizo que o sujeito que apresenta esse tipo de problema não consiga detectar sozinho se o som que ele ouve ou emite está sendo nasal, lateral, oclusivo, constritivo, lateral, vibrante, bilabial, labiodental, alveolar, palatal, velar, surdo ou sonoro, conforme convencionado pela Língua.
Os fonoaudiólogos devem ter respostas para tudo isso e, aliás, todos os parágrafos acima servem apenas para relatar uma história ocorrida entre uma profissional dessa área e seu objeto de estudo: sua avó, que embora não tenha nascido em Miracema, falava como uma autêntica “papagoiaba” (esse é o apelido de quem nasce em minha terra natal).
Com todo carinho e muito pacientemente ela ensinava: “Vó, repete comigo: “bicicLLLLLLLLLLeta!”. “ De novo, vó: bicicLLLLLLLLLLeta. A avó com dificuldades conseguia reproduzir algo similar ao que ouvia, mas a seguir, articulava o que lhe era habitual: “BicicReta!”
Como “água em pedra dura tanto bate até que fura”, com uma fonoaudióloga no pé, todo dia, o problema foi vencido. Certo dia, porém, a jovem fono ouviu de sua avó o seguinte: “Acabou de dar no rádio que os pLofessores vão fazer gLeve no BLasil todo!”
Entendeu? Não? Tá bom, eu explico: a vovó entendeu tanto o que a neta lhe ensinara, que decidiu não apenas trocar o “R” pelo “L”, como aquele por este, e passou a falar igual ao Cebolinha, personagem dos quadrinhos de Maurício de Souza.