Caro Poeta
Caro Poeta
Ontem foi seu dia e já te adianto: tu és incorruptível.
Eis aí, alheia ao tempo, sua maior qualidade.
Mesmo que quisesses, não conseguirias falsificá-la. És de outra dimensão e está entre nós para nos mostrar como manejar a seiva, o plasma e as tênues placentas que estão nos recheios e contornos de tudo o que existe.
Saiba Poeta
Com os avanços tecnológicos, outras modalidades artísticas engrossaram o Universo do Supletivo. Dublam músicas, sampleiam instrumentos, falsificam cinema, borram pinturas, mimetizam livros, dançam de qualquer jeito, mas você, com algumas sílabas, às vezes até sem rima, qual, com você não há sofisma.
Ontem foi seu dia e nos devidos lugares, nas trincheiras onde é possível tecer-lhe os justos louros, seus pares entoaram os mais finos cânticos. Uma pena, pois só fiquei sabendo desta data bem depois das 12 badaladas.
Parabéns pelo seu dia, tu, o mais orgânico dos meios de transmissão de saber, o responsável pela notação do invisível, o sistema resistente que cuida da preservação da essência, capaz de retratar com poucas pinceladas até mesmo a formação da Via Láctea.
Chamam-no Poeta
Negligenciar vossa importância nos dias de hoje – dias totalitários, arrogantes, arautos de desinformação e redutores ostensivos da qualidade geral de todas as coisas seria imoralidade imperdoável.
Prezado Poeta
Sei que não te importas. Poetas sabem. Poetas não criam a impressão a partir do exterior, mas a expressão a partir do interior. Imbuídos de lógicas paralelas, de subjetividades que aparentemente distorcem a realidade quando na verdade a descrevem, resolvem os ângulos retos do existir exatamente como o sistema melódico se baseia na resolução das tensões. Poesia é a folha no galho alto, a semente da grande árvore, a árvore em si.
Nos dias de hoje, tentam transformar a expressão humana num borrão com patrocinadores, mas não descobriram, e mesmo que descubram, que o que ainda mantém o melhor do ser – o que está fincado feito rocha inquebrantável no maremoto da barbárie - é justamente a poesia.
Através do Poeta
Ontem foi seu dia, hoje também o será, e pela tradição da constância de um dia após outro, amanhã será também, poetas não quebram, sua arte branda/ incandescente, cuja tecnologia se resume na ponte perfeita entre mente e coração permanecerá na própria vontade, a vida é arte da vontade, vontade de reorganizar almas e corações quebradiços, de espalhar luminosidade nos semblantes, coragem nas mentes sensíveis, esperança nos que ainda podem crer, horizontes aos que estão abertos aos vastos caminhos do espírito humano.
Deixo aqui minha homenagem tardia e o reconhecimento perene de sua função maior no cosmo – a de mantê-lo em andamento contínuo e a de reestruturá-lo continuamente.
E deixo também um abraço sincero aos amigos e amigas do RL, poetas e poetisas cujos versos tem me tornado a cada dia um ser humano melhor.