Inventário das perspectivas

Nada mais simpático entre aqueles que estão se conhecendo do que a revelação de seus gostos um ao outro. Essa etapa interessante pode durar a vida inteira como sumir após alguns segundos. Esse estudou em Harvard o outro por correspondência. Um admira Maradona e o outro prefere criar rãs. Um leu Beauvoir e a outra Cassandra Rios. Aquele prefere a lisura da ópera vienense e aquela o pandeiro bem batucado num cabaré na Lapa.

O intricado nesses momentos de empatia é conciliar as revelações ao mesmo tempo. Brota sobre elas o caminho tortuoso que pode alcançar o cinismo. Aquele que estudou em Harvard diz a quem se formou por correspondência: como eu adoro esse ensino a distância. Estudar por correspondência é a melhor coisa do mundo. Extensão não é problema, morava no Chuí e terminou os estudos em Harvard...

Essa condescendência natural pode ser ideal para salvar o ruído das distâncias como gostar de Maradona no caso das rãs. Nesse caso esportivo fica patente que há muita dificuldade para espelhamento com quem prefere adular as rãs a esfinge da veemência. Coisas da vida.

O psicanalista Roberto Graña se divertia com esse espetáculo de paralelos engraçados sobre discrepâncias. Era para nós uma espécie de esporte verificar a relação intrínseca entre objetos de admiração de o tipo gostar de Chacrinha e Ezra Pound. Por conter certa linha curva descendente criada entre venerar Papini e os Sermões de Santa Rita Durão. Desencaixes subterrâneos das nossas preferências formuladas como revelações. Retratos entre clarões que cabem muito bem no humor. Situações tais que nos dias robóticos de hoje podem parecer monstruosos na lista de preferências de nosso computador.

Sobre o preconceito nasce uma avaliação padronizada de níveis subterrâneos pronto para se transformar numa reflexão duradoura. Mas não é sempre assim, temos diferenças cruciais no mundo e precisamos desopilar esses desajustes de nosso contexto íntimo. Feito gostar do sueco Bergman e ao mesmo tempo do filme moderno de sucesso: Torpes de Elite.

Ainda essa necessidade de perfil comparativo é coisa infantil reproduzida no coração dos enamorados em todas as épocas. Jamais existirá alguém que comece um bom relacionamento, incluindo os de amizade, sem esse ideal conclusivo de comparações. Nem sempre casam, mas fazem parte do inventário das perspectivas. O reflexo das nossas mais louváveis intenções. Revelar o que o nosso desejo consome é viagem absolutamente simpática, abertura construtiva para o mundo compreensivo. Um pouco daquilo que bate no coração admirável do tempo.

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