POR TRÁS DOS CÓDIGOS

        Ela aos poucos foi entendendo os códigos dele. Quando estava muito, mas só quando estava muito envolvido, aí mandava beijos. Quando ele não se sentia assim totalmente íntimo mas queria demonstrar seu grande envolvimento mandava forte abraço. E ela observara, atenta a seus passos virtuais, que ele seguia estes códigos com outras pessoas, na verdade, mulheres,  da mesma forma. Assim, se  a alguma deixasse apenas abraço, isso já era uma forma de dizer que havia uma admiração, mas o momento não permitia muitos arroubos ou a pessoa estava ainda um tanto fora do alcance para tal intimidade.  Mas beijos em público, nem pra ela. Muito menos pra ela.  
         E abraço carinhoso seria o quê? Ela estacou diante desta variante que ele já usara alguma vez mas neste momento de raras conversas qualquer detalhe novo era logo isolado para uma avaliação. Carinhoso quereria dizer que ele a estimava de modo fraternal, assim como a uma amiga? Não, não podia avaliar aqueles fechos de mensagem usando o senso comum, pois havia nos códigos dele empregos que não eram os usuais para as palavras que todos costumam empregar.  Havia na sua forma de se fazer presente uma certa reserva, como se estivesse sempre a travar o ímpeto, como se precisasse sempre enxugar a mensagem até deixá-la na sua expressão mais suscinta. Sendo assim... mas e o raio do carinhoso... seria por acaso amoroso? Pois o "forte",  ela percebera,  seria aproximado a algo mais possessivo, invasivo até, apesar de que tanta gente fala em forte abraço de uma forma totalmente retórica, querendo externar amizade apenas.
           Mas ela já conhecia os códigos dele que era extremamente cuidadoso com estas palavras comprometedoras, como se temesse uma represália inesperada. E enquanto ela se debatia nesta insana tentativa de decifrar os sentimentos dele por trás das palavras, ele  novamente desaparecia nas brumas da distância que os separava e nem abraço, nem forte, nem fraco, apenas a teimosia dela em encontrar aquilo que talvez ele nunca tivesse desejado realmente lhe oferecer. 
          Caiu na real,  com tantas considerações diante do micro, pegou o telefone e ligou pra ele. Pronto. Agora não precisava mais fugir pela tangente dessas divagações estéreis.  
           Na linha a mesma voz, o mesmo alô já seu conhecido, e "cessa tudo que a musa antiga canta", recados, mensagens, indecisões, mal entendidos. Seria agora daí pra frente, o que passou tinha passado. Ela se sentiu radiante vendo um caminho a se abrir na vida real.
            Passa a régua, ele disse.  Passaram...
          

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 20/10/2010
Reeditado em 21/02/2011
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