Hoje
Hoje, ao acordar, exaurido, vou revirar-me na minha câmara mortuária, escutando um pesado e vagaroso respirar. Vou reunir os resquícios de força que ainda jazem em algum lugar dentro de mim, Deus sabe aonde, e mesmo sem encontrar qualquer razão, num esforço descomunal vou me erguer. Em seguida, vou me arrastar até o chuveiro, flagrando, de soslaio, a imagem no espelho de um rosto envelhecido e severo me encarando, mas que eu não quero ver. Debaixo do jato de água escaldante, vou permanecer imóvel, quase hipnotizado, por longos e longos minutos, com a mente vazia e os olhos sem vida fixados em algum ponto da parede desbotada. Tão desbotada como eu.
E após o tremendo esforço que é se vestir, resistindo à sedução da cama que convida para atirar-me e entregar-me a ela, e deixar que os ponteiros do relógio lentamente deem voltas e mais voltas enquanto sou envolto por um sono profundo e insaciável, sairei às ruas, tentando achar algum sentido em qualquer coisa. Em vão. Observarei as pessoas, algumas abrirão grandes sorrisos nos rostos.
E, mais uma vez, pensarei: por que elas estão sorrindo? Há algum motivo para sorrir? Vontade de sacudi-las violentamente e gritar: Diga-me, cara-pálida! Diga a razão! E na entediante e sempre repetitiva encenação da rotina, dia após dia após dia, vou sorrir que nem um babaca, fingindo que tudo está bem, que não há uma guerra deflagrada dentro de mim e nem que minha cabeça pesa uma tonelada. No palco diário em que atuo sou um puta ator. Material pra Oscar, mesmo.
E então vou perceber que este pesadelo, desde que cheguei nesta maldita cidade, inferno travestido de paraíso (o sufocante bafo quente, que deixa o ar estagnado, denuncia), provavelmente nunca vai acabar. E virá a certeza de que não dá para seguir a vida toda assim. Mas ainda há o estranho consolo que vem de certos pensamentos, de gestos rápidos e certeiros, cirurgicamente precisos. Silêncio, escândalo e, novamente, o longo, soberano silêncio. E que, talvez, quem sabe, apenas o futuro dirá.
E sempre há o amanhã, não é? Com sua remota esperança de trazer algo de verdadeiramente bom. É o que dizem. E à noite, quando irromper uma vontade de rir, chorar, gritar ou espernear, enfim, fazer qualquer coisa que me convença de que ainda estou vivo, a alma é tão entorpecida que resta resignar-me a desabar o pesado e exausto corpo sobre a cama, com a certeza de que tudo vai recomeçar no dia seguinte.