Algumas décadas depois...

           Não tinha coisa mais chata do que correr atrás do mais bonito frango, com a ajuda do Dolly, meu cachorrinho vira lata branco preto.
           Era muito dolorido rachar o dedão, tropeçando em tocos, quando o danado do frango se esgueirava por entre as laranjeiras fugindo desesperado.
           Mas qual o quê, alguns minutos depois Dolly já estava com as duas patinhas da frente em cima daquela ave fugidia.
           Um balde de água quente, um caneco jogado aqui, outro ali, e já tínhamos o frango depenado.
            Mais uns minutos e eis o desejado frango ali na mesa já ensopado num guisado apimentado e cheiroso.
           O pão, recém feito amassado com as mãos e assado na véspera, também estava na mesa todo fatiado e servido. Aquela linguiça de carne de porco que eu furava todo dia com espinho de laranjeira e ficava pendurada sobre o rabo do fogão à lenha, estava também fritinha ali numa travessa.
           Eu engolia em seco, remoia a raiva e o ciúme porque as visitas comiam  o que nós tínhamos de melhor, sem contar que à noite era fornecida a toalha mais nova, o sabonete mais cheiroso e, pra completar, a cama do casal e, se tinham filhos, as nossas também.
           Era difícil engolir aquela situação de entregar tudo do bom e do melhor aos visitantes.
           Quando eles saíam, com bico de menino pidão, reclamava mesmo:
           - Eu não gosto de parentes em casa. Vocês dão o melhor pra eles, isso não é justo.
          Algumas décadas depois, aproveitando um feriado prolongado volto com meus pais, ela com 87, ele com 89 anos, à casa de parentes no interior. Ela com audição limitada, pernas trôpegas arcadas pela osteoporose, mas lúcida e sorridente com seus olhos azuis. Ele hígido e ranzinza arrastando-a pelo braço.
           Paro o carro e lá vêm uns parentes que nunca vi, sorridentes e felizes. Trazem cadeira para transportar minha mãe que tem dificuldade andar e de subir escadas. Ela se senta, eles a pegam e a transportam como se fosse uma santa no seu andor de procissão.
          Pra ele um copo d’água, um abraço caloroso e parentes e mais parentes chegando felizes.
          Minha surpresa extasiada vendo-os chegar como presentes de boas vindas, frangos, leitoa, mandioca, mangas, laranjas, pamonha, curau, pão quentinho feito em casa naquele dia.
           Eu realmente vivia uma cena histórica semelhante àquela dos presépios em que chegavam reis magos trazendo ofertas e presentes ao menino Jesus. Eu me emocionei.
           Durante os quatro dias, éramos arrastados para várias casas, umas maiores e mais ricas, outras nem tanto, mas em todas era uma festa a chegada deles, um banquete na mesa.
           Oferendas inimagináveis ao casal visitante. Todo tipo de comidas e bebidas
           Foi sentindo e vivendo esses momentos que entendi o que acontecia lá pelas décadas passadas, quando com raiva eu pegava o frango para os visitantes comerem. Fervilhavam pensamentos. Não se usou dinheiro. Ninguém pediu nada. Tudo foi oferecido com imenso prazer e alegria.
          Acho que aprendi de novo que gratidão e reconhecimento não se compram com dinheiro e sequer são esquecidos em décadas.
            Aprendi mais uma vez que o amor é a melhor moeda para toda a vida.
           

Esse texto é dedicado a todos que receberam beliscões dos pais quando tinha visitas em casa.