Paris bem vale uma missa

A frase, dita por Henrique IV em 1593, foi sua cartada em direção ao trono francês. Um país enfraquecido por três décadas de disputa pela monarquia, a França do século 16 sofria as pressões religiosas da época.

Na segunda-feira da semana passada, assisti pela Globo Internacional a reportagem sobre a visita da candidata do PT Dilma Rousseff à Basílica de Nossa Senhora Aparecida. A candidata afirmou em entrevista essa ser sua primeira visita ao santuário. Não pude deixar de lembrar de minhas aulas de história, onde recentemente estudei a crise católica do século 16: anos em que religião e política se misturavam na grande batalha de reis por poder e de uma igreja por ex-fiéis.

Naquele tempo, calvinistas e católicos disputavam o trono do país. Após a batalha dos Três Enriques, Henrique de Navarra, um calvinista, saíria vencedor. A população católica entrou em alvoroço ao ver o novo rei e se recusou a reconhecê-lo. O rei Henrique então se converteu ao catolicismo, alcançando suporte e aceitação para enfim governar na capital Paris.

Dilma não chegou ao extremo de conversão, mas demonstrou sua fé em um dos principais feriados católicos do país. E não o fez na igreja de seu bairro, mas sim na Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Lá acompanhou a missas e, é claro, cumprimentou fiéis. Em entrevista, afirmou ser devota por motivos em sua “vida recente”.

A candidata que, pela maior parte da campanha, foi apontada eleita logo no primeiro turno por pesquisas de opinião viu votos desaparecerem no dia das eleições. A ascenção de Marina Silva, do PV, que a levou a alcançar expressivos 20% nas urnas roubou votos de Dilma e de seu principal oponente, o candidato do PSDB José Serra. Teve consigo, até a decisão pela neutralidade neste domingo, o poder de influenciar o rumo desses votos no segundo turno. Seus valiosos eleitores se tornaram objeto de cobiça e, daquele primeiro domingo de outubro ao dia seguinte, Marina foi parabenizada por ambos Dilma e Serra, que destacaram o apelo da candidata aos jovens. Jovens que, como este que aqui vos escreve, viram um governo petista invadido pela corrupção e um país que não mudou nos últimos oito anos. Jovens que ambos Dilma e Serra não consegu iram conquistar. O crescimento econômico é notório, mas o que assisto no Jornal Nacional não reflete os números: ainda vejo crianças que morrem de fome, pessoas que morrem da violência do crime, escolas que ficam a mercê de verbas que nunca chegam, enchentes que ano após ano acabam com vidas e destroem tantas outras. Por outro lado vejo um tucano que critica o governo existente, mas pouco oferece para mudar-lo além de propôr criar novos ministérios para cada problema do país. Ainda vejo filas nos hospitais, atendidos muitas vezes por médicos sem preparo, problemas que Serra não foi capaz de resolver durante seu tempo como Ministro da Saúde.

Minha irmã evita qualquer assunto relacionado ao Brasil. Aos 12 anos de idade, sua mente e coração já se tornaram americanos. As notícias que ela assiste conosco enquanto jantamos apenas a afastam do país em que nasceu e a aproximam do país que hoje a acolhe com a segurança para ir e vir e a educação pública que a prepara para o mundo. Eu não a culpo mais: é díficil ensinar respeito por uma pátria quando todas as reportagens mostram o oposto. Apenas posso torcer para que essas eleições, nas quais escolhi, aos 17 anos, votar pela primeira vez, nos tragam um presidente que possa trabalhar pelo povo. Um presidente para trazer de volta o mesmo orgulho e respeito que vejo minha irmã sentir pelos Estados Unidos. O orgulho e respeito que anos de corrupção enfraqueceram em todos nós.

Enquanto Serra falava de seus ministérios, Dilma orava durante a missa em Aparecida.

“Lula nosso que estás no Planalto, santificado seja o vosso nome, seja meu o vosso reino...”

Afinal, quem disse que Brasília não vale uma missa?

Pescador de Olhares
Enviado por Pescador de Olhares em 19/10/2010
Reeditado em 19/10/2010
Código do texto: T2566473
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.