Dona Rute me contou esta historia, achei muito bonita e interessante, por isso a divido com vocês.
 
Eu era recém casada, fui morar em um apartamento muito pequeno, tinha apenas cozinha, banheiro, área de serviço (não cabia máquina de lavar) e um salão de tamanho médio. A inexperiência me fez escolher um apartamento no terceiro andar de um prédio sem elevador porque o banheiro era cor de rosa!A escada era de menos. Dividimos a sala, transformamos o salão em sala e quarto separados por uma cortina (não cabia porta). Pintamos a divisória de branco e um amigo nosso “artista”(?) pintou  um galho seco em preto. Achamos lindo! O espaço era pouco, mas a felicidade enorme.
O meu marido estudando a noite e trabalhando durante o dia, e eu cuidando da casa. O dinheiro era curto, praticamente vivíamos de sopa de cenoura com cebola, sem carne e sem pão, é claro. Ainda tinha coragem de convidar um casal amigo para jantar com a gente. Eles aceitavam felizes, pois estavam em situação pior que a nossa! Quando meu marido recebia o ordenado íamos ao supermercado e comprávamos algumas coisas básicas (básicas mesmo) e fazíamos a maior extravagância da vida! Comprávamos uma lata de figo e uma de creme de leite! Era o máximo, uma festa!Que delicia!
A casa de meus pais era nosso restaurante quando a fome apertava.
Íamos de ônibus para o outro lado da cidade, onde eles moravam.
Carro? Nem pensar, um sonho impossível!
Naquele tempo não existia pílula anti concepcional, e outros métodos não era uma maravilha.
Resultado: Engravidei!
Felicidade maior não existia, ninguém era mais feliz que nós.
Porém a sorte durou pouco. Após três meses a gravidez teve um ponto final. Sofremos bastante. 
Grávida pela segunda vez, tive o filho amado, nossa alegria voltou.
Uma mudança de emprego nos levou a outro Estado.
Fomos confiantes no progresso.
Alugamos um sobrado com três quartos. Imagine!!! Três quartos, verdadeiro luxo!
Surgiram alguns problemas de relacionamento entre meu marido e eu, mas prefiro omitir.
Por algum tempo deixamos a sopa de cenoura de lado.
Mas logo ela voltou! Nunca faltou o leite do filho, era sagrado!
Me lembro tão bem que num certo domingo só tínhamos para o almoço, um ovo um pão amanhecido, que o tio dele tinha levado no sábado, e sal.
O jeito era inventar alguma coisa com o que tinha disponível.
Cortei o pão em fatias bem finas, bati bem o ovo, coloquei o sal.
 Passava o pão no ovo, e fritava na frigideira sem óleo!
Atenção, não existia panelas de tefal, o pão grudava e eu o desgrudava à força!
Tomamos bastante água e pronto!
Tínhamos almoçado, mas e depois?
Simples, fomos à casa da minha prima e fizemos lanche, o marido dela nos emprestou dinheiro, fomos embora felizes, com a barriguinha cheia!
Engravidei novamente, nasceu uma bonequinha linda!
Voltamos a cidade de origem, a qual chamarei de numero 1.
Alugamos juntamente com meus pais uma casa bem grande.
Como bem diz o ditado. Quem casa quer casa! Durou pouco essa “sociedade”.
Depois destas desventuras e aventuras, nossa vida foi melhorando aos poucos, mas como sempre com pouco dinheiro.
Novamente grávida nasceu o último filho, um polaquinho lindo!Criamos alma nova!
Finalmente conseguimos a duras penas depois de vagar por vários Estados como verdadeiros ciganos, conseguimos construir  uma casa maravilhosa com piscina, num lugar super valorizado, um verdadeiro luxo!
Interessante como para poder viver com conforto ter luxo e se sentir valorizado, algumas pessoas passam por cima de qualquer outro valor moral.O importante é ser notado, vi muito disso nessa cidade!
Conforme a situação financeira melhorava as desavenças entre o casal piorava!Eu não era nem um pouco feliz, me sentia numa “gaiola de ouro” passando tristezas a todo o momento.
Mais uma vez voltamos para a cidade onde tudo começou, a numero 1.
Nossos filhos casaram, meu marido se aposentou e nasceu nosso neto.
Mais uma vez, nos mudamos de cidade, vendemos a casa “de cinema”, e nos mudamos para um apartamento luxuoso.
O dinheiro mais uma vez encurtou, nos obrigando deixar o apartamento e viver numa casa menor.
Tentamos por vários meios nos levantar financeiramente, mas era em vão.
A situação amorosa piorava dia a dia.
Deus sempre foi bom para conosco, nos oferecendo muitas oportunidades.
Mais uma vez surgiu a chance de novo emprego, com ela veio a esperança do recomeço profissional, conjugal e financeiro..
Voltamos para a cidade numero 1, deixando os filhos em nossa casa na outra cidade.
 Fomos reconstruir e recomeçar nossa nova vida.
È interessante como as coisas acontecem, acabamos por  morar na mesma rua onde morávamos quando nos casamos e no mesmo tipo de apartamento dividido em quarto e sala, desta vez sem o galho seco, e num edifício com elevador.
Vivemos a maior felicidade naquele espaço tão reduzido, a situação financeira melhorou, o relacionamento também. Adorava aquele lugar que tinha me trazido paz e a chance de salvar meu casamento.
Vivemos tranqüilos mais ou menos por uns quatro anos, unidos e felizes. Amava nossa “cashinha”, era como chamávamos aquele lugar abençoado. Era na verdade como se diz um “lar”
Mas, por pura irresponsabilidade, apareceu uma ave de mau agouro que  destruiu totalmente aquele sonho, levou embora a paz e a união entre meu marido e eu.
O sonho tinha chegado definitivamente ao fim. O “lar” simplesmente desmoronou, virou um apartamento qualquer!Perdeu o encanto!
Não tinha mais como recomeçar um casamento que estava fadado a acabar a muito tempo. A tentativa e o interesse de reconstrução eram nulos.
Acabamos voltando para junto dos filhos.
Infelizmente aos vinte e três anos uma tragédia levou nosso “polaquinho”.
A família toda entrou em desespero, ficamos “sem chão” por um bom tempo, meio enlouquecidos.
Aparentemente a dor da perda de nosso filho nos uniu de modo superficial.
Fui vivendo com meu marido aos trancos e barrancos, descrente do amor e principalmente da sinceridade de sentimentos dele para comigo.
A casa passou apenas a ser apenas um abrigo, onde se dorme e se faz as refeições.
O final não poderia ser outro... Veio a separação.
No principio muito dolorido ao ver tantos anos enfrentando todo tipo de problemas, bem ou mal, mas sempre juntos, tantos anos de convivência jogados na lata do lixo. Seria muito bom se pudéssemos reciclar nossos lixos emocionais... Enfim paciência... Tudo é possível...
Hoje fico pensando, tenho muita vontade de voltar a morar num apartamento dividido em sala e quarto...
Só para ver o que acontece...
O tempo de sonhar agora é diferente... Me tornei egoísta, quero viver tranquilamente,sem cobranças e sobressaltos, sossegada no meu “canto”, com meus animais e minhas plantas.  
Encontrei alguém especial, com o qual não dividi e não divido totalmente minha vida e meu espaço.
A duras penas encontrei tranqüilidade e equilíbrio, sou feliz assim,...
Até quando não sei...
Quero simples e somente viver em paz...
Será que é pedir muito?
 
Não dona Rute, a senhora não pede muito, esse tipo de vida é o que todos nós deveríamos merecer. Viver em harmonia.
Porém a corrida atrás de coisas materiais, assumindo atitudes que contrariam a própria natureza da pessoa, tentando aceitar o inaceitável camuflando emoções, não traz satisfação nenhuma, é como viver no umbral.
As ações falam por si, não é necessário conhecer o intimo de ninguém, para avaliar seu comportamento,mas se conhecer sem máscaras é primordial,assim como Dona Rute.
 Imagine se um juiz for julgar uma pessoa pelo seu intimo e não pelas suas ações, seus crimes, suas maldades. Pense bem porque assim é que seremos julgados, simplesmente pelas nossas atitudes. Dizem que de boas intenções o inferno está cheio!É verdade, só intenção não leva a nada.
Um dia ao “acordar” essa criatura grotesca estará só, cheia de rancores e mágoas contra quem ela mesma permitiu que a magoasse.Se julgando a palmatória do mundo deixou que as coisas acontecessem, supostamente se sacrificando até mesmo para se sentir superior por ter tão bom coração!
Quando deixei Dona Rute para mim ficou claro que amar a si mesma e se respeitar, é que faz a vida valer a pena ser vivida e sonhada!
Sonhar faz bem, mas cuidado, os sonhos geralmente são traiçoeiros, podemos e devemos correr atrás deles, mas os danadinhos só acontecem quando eles próprios decidem qual é o momento certo de se tornar realidade...


Acabei de receber um telefonema de Dona Rute, hoje ela recebeu uma visita que a deixou bastante feliz, conversaram bastante sobre váriados assuntos, como se diz , puseram a conversa "em dia", fez bem aos dois. 
A visita de um amigo.
Seu ex marido!
 
M.H.P.M.
 
Helena Terrível