PARIS É UMA FESTA...
O escritor americano Ernest Hemingway tinha razão quando deu a um dos seus livros o título de “Paris é uma festa”. Na realidade, o título original em inglês fala de “A moveable feast” – traduzível por uma festa mutável ou móvel. Para ele, se alguém teve o privilégio de a conhecer, para sempre se lembrará dela, pois Paris é uma festa móvel que se carrega no coração.
O livro conta histórias do tempo em que ele viveu em Paris, no início de sua carreira, nos anos 20 do século passado, logo após a Primeira Guerra. A cidade era um reduto de literatos e de “bon-vivants”, entre eles os escritores Henry Miller, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, além do músico Cole Porter.
Para alguns críticos, o livro é um volume de fuxicos, por excelência. Se não oferecem grandes verdades aos leitores, ao menos humanizam figuras do modernismo, como Gertrude Stein, Ezra Pound, Ford Maddox Ford, James Joyce e o próprio Heningway...
Já estive em Paris três vezes. E a conheço muito pouco, pelo muito que há para se ver. Por isso, deixa sempre em nós a vontade de lá voltar...
O que mais me impressiona ali é o movimento nas ruas, parecendo mesmo estar em constante festa popular. Em qualquer estação de metrô, por mais distante que seja do seu hiper-centro, quando você emerge do subsolo uma surpresa nova aparece à sua frente. Na arquitetura, nos cafés, nas belas avenidas e bulevares, e no que há de mais cosmopolita no seu jeito de ser: gente do mundo inteiro num vaivém frenético, sobraçando sacolas, carregando mochilas e com as indefectíveis câmeras fotográficas penduradas no pescoço...
Ninguém deixa de fotografar cada pedaço da Cidade Luz. A propósito desse epíteto, não há qualquer relação com a feérica iluminação pública das praças e avenidas parisienses. A motivação vem do fato de ali ter sido palco do Iluminismo, movimento intelectual que recusou todas as formas de dogmatismo – político ou religioso – e abraçou a causa do racional, dando novo impulso ao progresso da ciência.
Em consequência do seu desvelado amor por Paris, o escritor Ernest Hemingway é reverenciado, até hoje, em cada canto da capital francesa. A cidade não o esquece: nos cafés que frequentou, nos bares em que se embriagou, na livraria Sheakespeare & Company, onde quebrou um pote por ter lido uma resenha que não lhe era favorável; e nos “bouquinistes” às margens do Rio Sena, onde garimpava livros usados. Sua indelével lembrança enche os olhos dos turistas e as burras dos comerciantes...
Eu mesmo, não me contive e me assentei num dos cafés mais caros de Paris – o “Les Deux Magots” –, hoje um concorrido ponto turístico não só por ser local aprazível, mas principalmente porque foi prestigiado outrora por Jean-Paul Sartre e por Hemingway.
Era no “Les Deux Magots” que Hemingway jogava charme para as moças, arrumava briga com os críticos e maldizia os turistas, que sempre se encantaram com Paris. O “café au lait” ali, sentado numa das mesas colocadas no passeio, na Place St.Germain-des-Prés, não sai por menos de 5 euros, ou algo em torno de 12 reais.
Foi aí que me lembrei do Café Galo – onde se serve o cafezinho mais caro de Montes Claros – e de um meu amigo fazendeiro. Aquele que transformava toda a sua despesa na Europa em litros de leite, ao preço que o entregava à cooperativa. Nesse caso, fiz as contas: o cafezinho no famoso “Les Deux Magots” parisiense equivaleria a 24 litros de leite. Ele teria tido infarto do miocárdio, com certeza. E excomungaria até a quinta geração do Ministro da Agricultura, que não se move para implementar política agrícola capaz de valorizar o produtor rural.
Mas eu, não. Degustei lenta e pausadamente aquele caro cafezinho, pedindo a Deus uma pausa no tempo, para que eu saboreasse ao máximo aquele momento mágico...