Grandiosas miudezas

“A estrada que leva ao hoje será sempre... O hoje” (Ednar Andrade).

Parou em frente ao espelho e se surpreendeu: viu no rosto uma imagem de mulher... Já com rugas, mas que, mesmo assim, guardava uma juventude desafiadora da cronologia: aparentava muito mais nova do que realmente o era. O tempo pareceu ser-lhe generoso e ela sentiu um acréscimo maior de auto-estima. Quis certificar-se de que os anos tinham passado e recorreu à sua “cápsula do tempo”: um pequeno baú que continha lembranças, objetos, testemunhas de um tempo ido e vivido.

Reminiscências... Fotos já em sépia; cartas com bordas arabescas escritas em caligrafia impecável, digna dos palimpsestos medievais; um relógio de algibeira com o vidro quebrado e os ponteiros congelados no tempo; cartões postais de onde esteve e as datas neles postadas indicavam a severidade de Cronos; e outros objetos amealhados ao longo de quase... Bem, a cronologia é dispensável, o que importa não são os anos acumulados, mas a vida aproveitada, o “carpe diem” levado a efeito.

Ah! E o que estas grandiosas miudezas testemunharam? Viagens, tanto no interior do país, como no exterior; seu casamento, dia feliz...; seu trabalho; pessoas que lhes foram importantes e que ela nunca mais verá... Isto a fez pensar, também, que a sua vida – como a vida de qualquer pessoa – nem sempre lhe passou em tons “rosáceos”, claro que a vida lhe reservou momentos duros que a tornaram mais realista e madura. Aprendera, ensinara e... Cansara. Agora extraía da vida os louros da experiência; um quase-nirvana que a despojara do que era inútil e vazio, deixando-lhe, apenas, o que é essencial.

A axiologia extraída das vivências lhe ensinara quais são os verdadeiros valores que devemos considerar. Amor, paciência, prudência, persistência, dentre outros tantos, se mostraram mais valiosos durante esta viagem temporal.

O rosto, ainda pouco macerado pela passagem dos anos, lhe empregava uma serenidade própria dos sábios que a distinguia dos demais com quem convivia. Sabia que a contagem dos anos, das décadas, por si só, não conferem às pessoas maturidade, experiência, sabedoria; é necessário ter “radares” capazes de captar e traduzir com leveza e precisão, e por que não com arte?, os ensinamentos de tudo que vivemos e reverter em nosso proveito. “O homem quer viver e viver bem”, pensara. Este pensamento socrático a seguiu durante sua vida, norteando-a. E conseguira até ali um acordo com o tempo, extraindo dele o melhor e sabendo que não seria cobrada do que a vida não lhe tivesse dado.

Pensou em tudo isso e resolveu recolher suas lembranças, seus “portais temporais” e encarou novamente o espelho, mas, desta vez, com menos espanto e mais satisfação, pois tinha a certeza de ter contribuído para ser tão cúmplice do seu espelho e sem mágoas que a fizessem sofrer, olha-se, sorri, perfuma-se e sai num passeio matinal feliz, e sem olhar para trás... Pensou e disse em baixo tom de voz uma frase, para ela bem familiar:

“A estrada que leva ao hoje será sempre... O hoje”.

(Danclads Lins de Andrade).

Danclads
Enviado por Danclads em 18/10/2010
Reeditado em 25/08/2011
Código do texto: T2564438
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