A Cachorrinha que virou semente
Uma manhã, no trabalho, minha amiga Jaque me ligou contando que havia encontrado uma cachorrinha abandonada, toda quebrada, no canteiro de uma avenida.. Era um dia de chuva, e ela teve trabalho para convencer seus pais a auxiliarem no socorro, por que como uma boa protetora dos animais, ela já os havia colocado muitas vezes em situação semelhante, e não havia lugar para mais um bichinho na casa da família... A cachorrinha terminou sendo recolhida, e levada a um hospital veterinário... Estava toda quebrada, não se sabia se de um atropelamento ou se havia sido espancada.. Seu estado era lastimável...
Bem, minha amiga Jaque tanto me falou e me falou e me falou, que não resisti mais e em conversa com meus filhos, decidimos adotar a cachorrinha.. Ela não era um filhotinho, era uma cachorrinha já adulta quase velhinha... Preta com alguns pelinhos brancos na barriga, peludinha, chegou sendo chamada carinhosamente de Neguinha, mas quase sem querer, acabamos por trocar seu nome para Tutuca. Junto às duas gatas amarelas que já habitavam o lar, Lua e Amarela, Tutuca ganhou o sobrenome de Martins.
Super carinhosa, Tutuca logo se tornou o xodó da casa, e da mamãe adotiva que ganhou, ela também se apaixonou. Andava meio mancando, meio trôpega, das inúmeras pancadas da vida, e também dos anos em que não se alimentou direito pelas ruas da cidade... Amou ficar no colo, amou estar em uma casa quentinha com uma família carinhosa, mas curiosamente, não nos permitia deixá-la sozinha. Se os jovens precisam sair para ir a escola, e sua nova mamãe ao trabalho de todos os dias, e ela precisava ficar um pouco sozinha na casa, gritava e uivava como se estivesse sendo espancada. Gritava tanto, que da esquina ao chegarem, já podíam ouvi-la. Era apavorante para ela ficar sozinha. Uma vez rasgou toda a cortina da sala em desespero, a outra destruiu um baú de vime... Ela gostava mesmo era da presença de todos, do colo, do carinho, do sofá quentinho em que se aninhava pertinho da mamãe para ver TV...
Bom, conversando com os amigos, decidimos adotar outro cachorrinho, assim, Tutuca teria companhia, e quem sabe, pudéssemos ir para nossos afazeres sem deixá-la tão triste e apavorada... Assim, nos primeiros dias de outubro de 2006, chegava lá em casa, uma coisinha pequenina em uma caixinha de sapatos, uma salsichinha marrom de olhos doces, um Dash pequenino como sua nova amiga mamãe sempre sonhou adotar... Em tempos de Senhor dos Anéis, a pequena salsicha marrom-dourada foi batizado de Frôdo. Assim tempos de paz novamente da Terra.... Em um descuido, Frôdo e Tutuca em um arroubo de paixão canino, tiveram uma cachorrinha de pelo duro e perninhas traseiras também duras, que parecia um cabritinho preto, e que por seu defeito físico, sua graça e beleza, conquistou o coração da família, e assim Carneirinha ganhou o sobrenome Martins.
Os anos passam, os filhos crescem, as portas abrem e lá se vão eles procurando construir seu próprio mundo... Tutuca, Frôdo, Carneirinha, Lua e Amarela, continuaram no portão, ansiosamente esperando sua mamãe chegar do trabalho, chorando e fazendo festa todas as vezes que ela chegava, seja de uma ausência de horas no trabalho, ou de apenas alguns minutos para jogar o lixo lá fora.. Não importa, era sempre uma alegria esse reencontro...
Um dia a mamãe casou, e eles ganharam um papai muito amoroso, e que cuidava de todos com muito carinho, e ficaram muito felizes de terem mais alguém para esperar no portão, e mais alguém para mimar com seus sorrisos caninos, suas patinhas e beijos diferentes...
2010, casa nova para a família, os auau estranharam um pouco... A rotina ficou um pouco diferente, papai viajando, casa nova, hum... uma virose, e todos se vêem adoentados e tristes... Mamãe chama uma doutora- veterinária, e Frodo e Tutuca precisam ser internados... Tomam soro, remédios e voltam para casa com uma receita de medicamentos e alimentos especiais para se recuperarem... Frôdo é jovem, foi vacinado na infância, sofre um pouquinho, faz dengo para tomar os remédios, fica carente e quer muito colinho, mas logo se recupera... Agora a Tutuca, muito velhinha e com o corpinho já tão castigado por tantas outros infortúnios que ela nem quer lembrar, e aparentemente sua cabecinha de anjo já esqueceu, não suporta os remédios, o soro, o vírus... Seu corpinho vai emagrecendo, e ela só se alegra mesmo quando vê sua mamãe-amiga chegar... ela a ama muito, seu rabinho balança e seus olhos brilham, mas ela não consegue mais se levantar... é a paralisia que vai aumentando, e pouco a pouco, ela não se levanta mais, não come mais, não engole mais... mesmo assim se alegra quando recebe carinho...
Um dia de Outubro, chuvoso como aquele de anos atrás quando ela foi encontrada, a Veterinária entende que seu corpinho não pode mais ajudá-la a respirar, comer, e que sua morte esta chegando e vai ser muito doloroso esperar por ela, a eutanásia é a solução menos egoísta, mais gentil com esse agora leve passarinho...
Mas ela não parte sozinha.. sua mamãe esta lá com ela, seu irmão humano, sua priminha, sua família ao lado, fazendo carinho, conversando, enquanto ela é anestesiada e dá em fim, seu último alento de ar e vida neste plâno...
E lá no jardim, seu corpinho é deitado para sempre, em um buraco no chão que foi feito para uma cachorrinha-semente virar flor... Porque agora esse jardim vai florescer uma linda cachorrinha preta de olhinhos brilhantes nas suas flores, e sua dona que nem queria mais ter um cachorrinho, de tanta saudades que já tinha chorado em sua vida por eles, pelo Apaixonado, pela Bella, pelo Bandit, escreveu essa historinha, só para acreditar que agora ela não perdeu mais um amigo verdadeiro e apaixonado como só os animais sabem ser, e sim, que logo, uma flor de Tutuca vai nascer no seu jardim... E a chuva, aquela que lhe trouxe um dia, de mansinho a levou para seu novo lar...