Pido silencio
Ahora me dejen tranquilo
Ahora se acostumbrem sim mi
Yo voy a cerrar los ojos.
Neruda
Meus primeiros contatos com os escritos do mestre Pablo Neruda aconteceram ainda na minha adolescência. Era comum participarmos de saraus literários dedicados ao poeta. Um dos mais assíduos frequentadores, poeta Jomar Souto costumava declamar os poemas de Neruda, o que nos deixava ávidos de poesia. Sua voz compassada soava como uma música tamanha a cadencia, seu castelhano perfeito, seu sentimentalismo dava vida aos poemas. Tudo convergia para o final da noite quando fatalmente seríamos brindados com o famoso Poema 20. Uma emoção nos unia, naquela hora vivenciávamos tudo que o mestre tinha sentido ao escrever tamanha obra prima.
Dito isso, não é difícil imaginar o que estou sentindo agora. Onde estou? Estou em Isla Negra, assim batizada pelo poeta, mas que nem ilha, nem negra é. Aquí o poeta viveu o maior de seus amores e escreveu o Poema 20.
Um bosque de ciprestes centenários se curva para proteger a casa. São guardiões da catedral do mestre. Meus passos amiúdam como se temessem o encontro. Meus olhos marejam, minha respiração torna-se ofegante. Parece que caminho quilômetros para alcançar a casa a apenas 50 metros. Alcanço a porta e paro. Necessito de um pouco de ar adicional para bombear meu coração. Entro. No chão, conchas para massagear os pés. Meus olhos são poucos para mirar tudo que se descortina. A casa virou museu, mas o cheiro de vida ainda permanece. Encravada no alto de um penhasco, se parte em pedaços. Não nasceu grande, engrandeceu com o tempo e a necessidade. No primeiro salão, uma enorme fotografia do poeta nos dá as boas vindas. Poemas espalhados por todo canto nos faz ler, reler, relembrar versos. Por toda a casa, uma imensa coleção de objetos náuticos revela a grande paixão do poeta pelo mar. Ele, o capitão tocava o sino do barco para avisar aos amigos sua chegada a casa. Toda a coleção ricamente exposta. São bóias, escafandros, garrafas de mensagens, carrancas, conchas mil, cada qual mais bonita, enfim uma babel do mar em terra. Entro no quarto do casal cuja cama se encontra na posição enviesada para que o mar pudesse ser visto, quem sabe, durante o amor. Nada de banheiro no quarto. Apenas um rebuscada pia retirada de um veleiro serve para o asseio. Por todos os cômodos, sempre um lugarzinho para escrever, cada qual mais bonito, mais poético. Um cheiro de amor atiça minhas narinas, ou serei eu a sonhar?
Cada passo que dou sorvo o ar poético, me embriago com a poesia reinante. Meus olhos passeiam de canto a canto, como a apreender cada traço, cada canto, cada recanto, cada encanto.
Entramos no jardim que fica no alto do penhasco onde um barco singra flores mil. São lupins roxos, são rosas vermelhas, margaridas multicores. Mas, algo me chama a atenção. Uma pedra negra plantada sobre um terraço. Meus olhos já não seguram a emoção, e choro, quando entendo que alí é o leito dos amantes Pablo e Matilde, juntos para sempre. O mar de um azul esmaecido bate violentamente nas rochas me assustando. Volto a realidade e tento recriar o passado, tento imaginar o poeta a declamar a sua amada seus versos. Olho o chão, cato pegadas, apalpo o que posso. Mas, só a matéria alí está, as almas já se foram.
São horas que se convertem em segundos, são emoções fortes demais para serem descritas, mas de uma coisa tenho certeza, parto maior, apesar de ter deixado boa parte de mim nesses penhascos.