Por ventura do idoso

Assim, vira a vida acalcanhada pelo azar da velhice. Outrora pedi silêncio aos amigos que me restaram destes tantos anos. Nem à metade contive alegria, só ouvia desculpas ignorantes e conversas caducas. Agora me restam apenas alguns calos dos tropeços levados nos buracos e nas guias das ruas.

Num dia desses, não tive outra escolha. Se escrevesse em folha perderia a fama de jovem ou velho evoluído. Então mandei um e-mail, o qual demorei cinco dias para conseguir digitar meu “pequeno” texto de reclamação. A Internet me deixa totalmente irritado. Ora travava a máquina, ora caía a conexão. Já não tenho experiência e me colocam num troço desses que nem sei onde está a tecla A.

Então, depois de meia hora - perdoe-me leitor pelo excesso e exagero de aumentar quatro dias na produção de um recado -, enviei ao meu filho o meu desabafo. Assim considero o apelo ao abusado. “Me colocaste neste lugar onde nem minha cachaça posso tomar, isso não é um filho! O que pretende com isso? Só pode estar querendo matar seu pai de desgosto.”

Não sei o que aconteceu, mas foi milagre de Deus. Sem mesmo tentar me convencer de que aquele era o melhor lugar para casmurros como eu, deu-me a liberdade. Tentei encontrar explicação, mas logo, saindo de táxi pelas ruas de Prudente, notei grande diferença. Nem tremeu muito o veículo. Talvez o motorista fosse mandado passar pelas melhores ruas, assim não seria incomodado por minhas opiniões.

Percebi, desde então, que muita coisa havia mudado. Leio uma placa onde está escrito: Academia da 3ª Idade. De início penso que meus óculos estão passados, velhos e precisando de reparos... Mas revisei a visão e foi realmente o que li. Muito interessante da parte dos “jovens” colocar academias para velhos e de graça no meio de praças, assim os poupam tempo. O que mais querem é se livrarem da gente, não é mesmo? Mas gostei da idéia. Perto de casa tem uma dessas academias, e um boteco também.

Quem lê pensa que sou cachaceiro, mas engano seu. Coloque-se no meu lugar, é preciso de tempo para conformar-se da vida. De vez em quando faço uns exercícios e outros, mas nada com exagero, pois não sou mais jovem e minhas pernas estão enrijecidas de fraqueza.

Meu filho agora está com essa idéia de me colocar numa escola. Como pode depois de velho voltar a estudar? Dizem que nunca é tarde para aprender as coisas. Estou pensando em aceitar, mas ainda não é algo que me convença. Talvez, quem sabe, volto aos tempos de menino. Pensando bem, voltarei a estudar, assim me iludo com a idéia.

“Ah... mas que coisa é essa? Banheiro equipado para a segurança dos idosos também? Não bastava dizer que era para deficientes físicos?” Pensava eu. Pura ironia. Quase nem consigo urinar mais sem a ajuda desses equipamentos. Dou graças a Deus que eles existem, assim dou menos vexame.

Estou convicto de que construíram melhorias, ou tentam pelo menos. Digo isso porque ainda não experimentei andar de transporte coletivo. Dizem que azarento é aquele que se destina a um lugar popular, como o Ana Jacinta, um bairro do tamanho de uma cidade. Não pagamos passagens, os idosos, mas seria o cúmulo pagar para passar pelo sofrimento de um congestionamento interno. A melhor opção seria andar a pé. É mais seguro, polui menos e exercita o esqueleto.

O pior conflito dentro de mim é saber que velhice não é doença, se fosse existiriam remédios que a curassem. Então sempre digo aos jovens: “Aproveitem enquanto ainda há tempo, depois de velho o que lhe vem é apenas a aventura de criticar o que os condenam à caduquice.”.

Gabriela Cano
Enviado por Gabriela Cano em 15/10/2010
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