Nóis agora é crasse média!
-- Creuzileidy, minha nêga, nóis agora é crasse média! :)
Foi assim que o "Assistente Operacional da Construção Civil" -- ex-ajudante de obras --, desempregado, naturalmente, e sustentado pelo Seguro Desemprego, bem como pela Bolsa Família e pelos eventuais bicos em que faz de conta que trabalha, comemorou a aquisição de seu mais recente bem de consumo: uma TV LCD de 42 polegadas.
Mas a Creuzileidy, sua nêga, que estava naqueles dias de TPM e lucidez, rebateu de bate-e-pronto:
-- Só se for crasse m é r d i a , Wesleyson, pruque a fossa tá vazano de novo. E tá essa nojera tudo imporcaiano e carcumeno a rua, que os ômi disse que ia butá isgoto e carçamento pra nóis e num butô nadinha, tem pra mais de oito ano que eles diz que vai ponhá e num sai do "diz-qui-faiz".
-- Ah, Creuzileidy, tu larga de sê injusta, muié. Nóis agora tem geladera fró... fróis... aquele trem que num pricisa de discongelá, mánica de lavá ropa, forno de microonda, parêio de som cum MP3 inté MP1000, computadô, celulá, tudim que nóis comprô cum prestação bem baratim.
-- Larga de sê troxa, ômi! Se ocê faiz as conta, quando que ocê cabá de pagá essas prestação, vai tê pagado duas ou trêis vêiz o valô dessa trapizonga tudo, ô bestcha! Tu tá é encheno a burra dos dono das loja. Se ocê tinha guardado esse dinhero na popança, no final do mermo tempo que vai levá pra cabá de pagá as prestação, tu comprava tudim que comprô em dobro.
-- Mais aí nóis ficava sem geladera, sem microonda, sem TV LCD, sem nada inté pudê comprá.
-- Ô, Wesleyson, criatura, raçocina mais eu: tu num viveu inté hoje sem essas traia tudo? Tu morreu pru causa disso? Custava vivê mais um cadim desse jeito e isperá pra num isperdiçá dinhero, ômi de Deus?
-- Ô, Creuzileidy, nóis num pudia isperá nada. Vai que o ômi lá de cima num consiguia elegê de novo nem num consiguia elegê aquela otra lá que vai fazê ingalzim ele. Aí pirigava nóis perdê essa ajuda tudo que eles dá pra nóis. Ocê num se alembra cumé que era antes, não? Nóis tinha que ralá feito uns condenado pra ganhá uma mixaria.
-- É, pelo meno nóis ganhava cum o suó do trabaio nosso honestcho e num pricisava de ficá dependeno desse ou daquela elegê pra nóis ficá nessa vagabundage, cum o fiofó na mão de medo de perdê a mamata.
-- Tu prifiria ralá feito uma condenada, muié?
-- Prifiria e prifiro ainda. É mais honestcho. Até pruque se nóis trabaia, nóis tem mais pudê de barganhá, de inxigi os direitcho nosso. Sem contá que tu naquele tempo num vivia bebo feito um gambá o tempo todo, era só de vêiz em quano.
-- Tu tem cada ideia, muié! Eu prifiro cuma é agora. Os minino nem num tem que ir pra iscola mais pra nóis ganhá a bolsa!
-- É, os minino nem num tem mais que ir pra iscola, nem num ia mermo pruque num tem merenda e os professô veve de greve, inda pirigava o teto da iscola dispencá nas cabecinha deles. E ocê acha isso bão, né? Teus fíi vai crecê burro ingal ocê, sem instrução, sem profissão, uns disqualificado, e ocê acha que isso é bão.
-- Mais eles pode istudá na facudade! Agora é moleza entrá na facudade.
-- Wislim, meu nêgo, antes de entrá na facudade eles pricisa istudá na iscola. Linhais, nem num pricisa entrá na facudade pra aprendê um ofiço decente de bombero, de letricista, de técono de computadô, de um monte de ofiço bão que aprende na iscola ténica. Num sei pruque que os pissuá tudo só qué sabê de facudade agora! Ocê já pensô se todo mundo qué sê só dotô, onde é que vai rumá gente pra fazê o trabaio do letricista, do bombero, do técono...?
-- Isso é pobrema deles lá de cima. Eles que resolve. É só nóis continuá votano em quem que o ômi aquele mandá nóis votá, pra num perdê os adijutório.
-- Ô, Wesleyson de Deus, ômi, ocê acha mermo que isso vai continuá pra todo sempre, criatura? Um dia tudo isso pode cabá, istancá. Um dia eles pode dizê sem mais nem essa nem aquela que o dinhero deles lá cabô e que num tem mais pra dá pra nóis. Se ocê se fia nessa esmolança pra vida toda, tu é mermo uma besta, Wislim!
-- Ô, Creuzileidy, ocê acha mermo que isso pode assucedê? Se o dinhero cabá, eles manda fazê mais.
-- Ômi do céu, tu é mermo disinformado. Eles num tem pudê de fazê dinhero. Eles pricisa vendê uns trem pros istrangero, pegá os imposto que os crasse média de verdade paga cum os salaro deles e essas coisa que eu num comprendo muito bem, mas que é assim que assucede. Se um dia dá um pipoco nos negoço dos rico e dos istrangero, nóis tudo fica no sal.
-- Cuma é que ocê sabe isso?
-- Pruque eu era impregada de uma professora que ixplicô tudim pra eu. Foi onde que eu assuntei que o istudo faiz mermo falta. E que se nóis qué mermo sê crasse média, nóis tem que istudá pra aprendê um ofiço, trabaiá, ganhá salaro e pagá imposto pra pudê morá num bairro com rua carçada, cum isgoto, com ômbus miózim e iscola e hospital de gente rico. E votá no candidato que nóis iscoiê não pruque vai dá ismola, mais pruque vai fazê miorá as rua, os isgoto, os hospital, as iscola, os emprego, mas miorá de verdade, né só de prometê ou de dizê que feiz e num feiz nada.
-- E inxiste candidato esse que promete essas coisa e faiz, nêga?
-- Taí, Wislim, tô pra vê um que faiz isso pra nóis que é crasse mérdia, meu nêgo. Eles só faiz mioria mermo é pra gente rico. Pra nóis, ou eles dá uma ismolinha ou eles dá só promessa.
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No dia em que nós, como povo, entendermos que depende muito da gente -- e não só dos políticos, que são do mesmo povo e eleitos por nós, do povo --, este país poderá se desenvolver de verdade e não só de faz de conta.