O CERRADO

Quando encontro uma área de cerrado, mais do que depressa, eu abro os vidros do carro para que ele entre e ocupe o banco da frente, ao meu lado. Aspiro, desesperadamente, o cheiro adocicado das flores, o perfume do capim e a fragrância amadeirada dos troncos retorcidos de arbustos carregados de pequenas frutas, que outrora, eu dividia com abelhas, marimbondos e passarinhos. Pedaço de minha infância que se foi há tantos anos. Hoje, restaram apenas fragmentos, lembranças e pequenos momentos de prazer que me arrebatam e me comovem quando encontro na geografia mineira, resquícios do cerrado, que me acolheu, me lapidou e fez de mim o que sou.

A natureza é uma mãe cuidadosa. Antigamente, os pais lhe davam respaldo, pois deixavam os filhos livres a correr pelos campos, a colher flores, a subir em árvores, a descobrir novos caminhos, a investigar a flora e a fauna. Quanto bichinho existe em meio à vegetação. De todas as cores e tamanhos. Alguns insetos são bem bonitinhos, e, outros, pobrezinhos, nunca vi coisa tão feinha. As plantas, os tipos de folhas e flores, os mais diversos frutos, tudo, tudo mesmo era observado pelas crianças. Quando a fome chegava era permitido comer frutos do mato. A mãe natureza os oferecia, maduros, docinhos, cheirosos e saborosos. Quando a sede surgia, havia sempre um riacho de águas cristalinas para saciar a sede do aventureiro. A sombra refrescante era a casa do caminhante, ali se podia fazer uma pausa e até tirar um cochilo. Porém, de tardezinha, antes de escurecer, deviam estar de volta. Muitas vezes, retornavam de banho tomado. Passavam primeiro no córrego, davam aquele mergulho e pronto. Voltavam felizes para casa.

- Mãe, Tem janta? Já tomei meu banho!

- Eu também, mãe!

- Esses meninos! -Tem sim! -Tirem essas roupas molhadas e venham comer...

Capturado, por instantes, o perfume do cerrado, que agora, sentado ao meu lado, ajuda-me a recordar de todas essas belezas que ficaram para trás. Faz-me refletir acerca da vida moderna, da clausura em que vivem as crianças das cidades. Da total falta de coragem de um pai em deixar seu filho vagar livre por aí. Hoje, essa liberdade é considerada loucura ou descuido da família. As crianças e jovens ouvem dos pais uma verdadeira ladainha de riscos, os mais absurdos, caso resolva se rebelar, caso queira sair sozinho às ruas. Obviamente que os pais aumentam um pouco para assegurar que o filho prefira não desobedecer a sofrer as conseqüências que vão desde ser estuprado, ser roubado, ser seqüestrado para retirar seus órgãos para transplante, ou para ser vendido a quadrilhas de adoção internacional e... Acho melhor parar por aqui.

Não me esqueço, nem por um segundo, de onde vim e da oportunidade que me foi dada de curtir, em meio ao cerrado, toda a plenitude da infância. A certeira e esperada sucessão de estações, a chuva, a seca, a dureza da seca, a espera da chuva, a chuva de verão, o preparo da terra, a chuva de verdade e a transformação da paisagem de marrom amarelada ao estonteante verde com todo o glamour da natureza . E, o melhor de tudo, era ver a alegria estampada na cara do confiante lavrador que tanto esperou por esse momento. Todos os sofrimentos da árdua seca eram esquecidos na época das chuvas. E dir-se-ia que a vida era calma e sossegada... pelo menos para as crianças... isso era!

DoraSilva
Enviado por DoraSilva em 15/10/2010
Reeditado em 27/06/2011
Código do texto: T2558101
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