UM SAXOFONISTA SOLITÁRIO
(O mundo é um moinho)
No canto da praça, abrigando-se debaixo da marquise, aquele homem tocava, solitariamente, seu saxofone, interpretando canções de Cartola. Sentada do outro lado da praça, tomando sol, recuperando-me do excesso de sangue colhido de minhas veias (para exames laboratoriais de rotina), eu o observava, no silêncio de minha admiração.
Permanecia ali, estática, apenas ouvindo-o. Fechei os olhos por alguns instantes, só ouvindo aquela música que penetrava meus ouvidos, atingia meu coração e estacionava em minha alma, encontrado eco nessa mania que tenho de absorver sensibilidade alheia.
Enquanto o som do saxofone entrava pelos meus ouvidos, inebriando meus sentidos, cantei, baixinho, acompanhando as notas tristes – não sei porque, mas eu percebi a imensa tristeza com que ele fazia soar os acordes daquela canção.
Viajei na imaginação, tentando adivinhar o que aquele homem triste, músico exímio - que encantava os transeuntes, em sua pressa habitual - estaria vivenciando, para transmitir tanto sentimento ao tocar seu sax. Estaria chorando um amor perdido, as injustiças sofridas, o eco de seus próprios passos errantes? Ou estaria questionando a própria vida...
A música terminou, o músico se fechou em seu silêncio, recolheu-se em sua solidão, amenizada pela fumaça do cigarro que acendeu, tomando fôlego para continuar em sua saga de artista de rua, igual a tantos que já encontrei por aí, nesta cidade que abre os braços para todos os artistas, todos os solitários e desvalidos.
Levantei-me, ainda com aquele som agradável martelando minha mente, dirigi-me até onde ele se encontrava, fumando seu cigarrinho, depositei, no chapéu aberto, ao lado, uma quantia que bem daria para tomar um café reforçado. O músico solitário fez um gesto sutil com a cabeça, agradecendo a gorjeta e pude ver lágrimas em seus olhos.
De agradecimento ou de emoção? Não sei... Só sei que, dos meus, rolavam lágrimas de alegria e gratidão por presenciar este momento sublime.
O VÍDEO:
Clique:
http://www.youtube.com/watch?v=qjBZBhx4CAI
A LETRA
O Mundo é Um Moinho
Cartola
Composição: Cartola
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés...