Dias antes de um dia qualquer
Num dia qualquer ela deu adeus. Enfim um adeus tão sofrido e demorado, que muitos inclusive ela, não acreditavam que esse adeus de fato chegaria, mas chegou.
Era noite e as boas memórias voavam da gaiola que as censuravam dando lugar àquelas outras que nada tinha de positivo para serem lembradas. Lindas memórias, pois eram tristes. Existe em toda tristeza uma beleza única, seja pela emoção, seja pela rebeldia e teimosia em existir.
Era noite e as tantas memórias-agora boas e más- dançavam como folhas de outono em ventania. Assim, sucedeu-se o adeus formal já que este tinha sido dado, já tinha se despedido em meio a códigos quase impercepitiveis.
Pouco antes ela tinha feito uma prece. Não tentou interferir no destino, apenas pediu luz para a vida daquele que um dia partiu e nunca mais foi visto. Alguns acharam que era generosidade, ela porém, sabia que era respeito pelo inegável e imutavél. Mesmo em prece, já não havia mais choro.
Dias antes, não havia comemorado sua tradição, nem a lembrou na verdade. A data parecia ter perdido o significado, ela tinha novas coisas a comemorar agora. E confessou com um sorriso maroto que não tinha lembrado de marcar data. Não sabia mais desses detalhes... sabia apenas comemorar.
Num dia qualquer o adeus chegou. Ela sabia que era a hora. Não negou que esse adeus lhe doía um pouco...não negou que ele lhe causava medo...mas constatou aquilo que pouco acreditava: o adeus já lhe era inerente e querendo ou não agora era real.
Foi então que ela teve mais fome e comeu. Teve mais necessidade de escrever e escreveu. Ouviu anunciar na TV a apresentação de uma banda que lhe era especial. Sabia que ouviria a música de sua vida, e esperou.
A música não veio. Cantou ela então, com uma voz quase calada. Sorriu. Concordou :"O pra sempre sempre acaba!" Deu o seu adeus, fechou os olhos e dormiu.