Mudansança

Mudança é bom, a gente muda de ares, lares e lugares, mudam-se as paisagens, as visagens e outras agens, mudam-se os vizinhos, os caminhos e os eventuais espinhos, mas também cansa. E como cansa!

Não foi desta vez ainda que me mudei, mas ajudei a mudar o Binha, amigo-sobrinho muito querido, companheiro das happy hours (e das bad hours também), bom de copo e de papo e que não perde a piada nem o amigo nem chance alguma de destilar o mais puro besteirol pra pontuar os assuntos sérios que insistem em ser debatidos nesta vida séria de adulto.

Não que eu estivesse muito disposta a pegar no pesado, que amizade tem limites, tanto que cheguei, me sentei na única cadeira livre, abri uma cerveja e fiquei filosofando sobre o quanto o trabalho alheio é dignificante e construtivo, algo que realmente nos enobrece e motiva. Mas logo-logo o sujeito me delegou tarefas bem criteriosas: de fato, não peguei no pesado, mas caminhei quilôôômetros indo ali no comércio de quando em vez pra comprar miudezas e que tais, buscando carrinho de compras do condomínio e fazendo trocentas viagens pra me livrar das caixas que aos poucos foram se esvaziando y otras cositas mas.

Nessas idas e vindas, fiquei íntima dos porteiros e de alguns dos vizinhos, que pensavam que era eu a feliz nova moradora do pedaço. E a Providência premiou minha prestatividade, ainda que compulsória, colocando ali no banco de concreto dos pilotis um rapaz que ensaiava um belíssimo violão erudito, tocado com muita competência e graça, quiçá um rondó ou algo do gênero, e eu me pus ali parada, toda ouvidos, até me lembrar que não tava ali a passeio, mas isaurando por um amigo que já isaurou por mim também em outras ocasiões. Um mamão lava o outro, né?

Agora o Binha tá lá, junto com os filhotes, muito bem alojado, ou melhor, apartamentado, tudo nos lugares certos -- que o moço é jeitoso e logo transformou aquela balbúrdia de coisas dispersas num lar bonito e acolhedor -- e isso deixou todo mundo contente. E eu fiquei com mais vontade ainda de que chegue logo a minha vez de juntar as tralhas todas e me mandar daqui pra outro canto mais promissor e aconchegante. Há de. Preciso tirar o limo, como fazem as pedras que rolam.

Enquanto não chega a minha vez, continuo aqui ralando e me recuperando da canseira que foi descansar ajudando o amigo-sobrinho a se mudar. Ufa!... Tá pensando que é mole ficar olhando os outros enquanto eles pegam no pesado, tá? Eu fiquei e-xaus-ta!

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 14/10/2010
Reeditado em 14/10/2010
Código do texto: T2555503
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